Conheço Débora Foinquinos de um tempo, portanto, sou admirador do seu percusso profissional delineado por disciplina, rigor e ética. Tive conhecimento através de amigos comuns que Débora havia feito uma palestra sobre Angústia em um dos eventos do universo psicanálitico do Recife. Me interessei em procurá-la para conhecer o texto de um tema que tenho muita afeição e curiosidade. Da mesma forma que na minha vida sou movido pela paixão, a angústia também torna-se para mim uma grande parceira. Se a parceria da angústia com a paixão por um lado produz desassossego, por um outro, produz uma poética e uma lírica que poucos conseguem vislumbrar.
Solicitei a Débora o texto, que calorosamente enviou-me, dando-me a liberdade e a autorização para que postássemos. Ela que já há algum tempo, cumpre uma função no seu ofício de psicanalista, num passado mais remoto, fez também um intinerário através da clínica da Terapia Ocupacional.
Na integra, a palestra de Débora Foinquinos.
O percurso geral da angústia na obra de Freud*
Débora Foinquinos
Boa noite a todos. Antes de mais
nada, meus agradecimentos pelo convite feito e aceito. Resisti e ponderei
diante da grandiosidade da tarefa. De nada adiantou. Desde então, dezembro de
2010, instalou-se um desconforto de razoável magnitude. Sabia que não
conseguiria cumprir com o prometido e, pior, com a expectativa dos colegas. O
ambiente, sabia eu por freqüentar várias vezes, era acolhedor. Menos mal,
estaria entre amigos, grandes amigos. Mas, falar sobre A Angústia...era demais.
Sempre mantive um interesse pelo tema. Não imaginava ter de me aproximar tanto
dele e constatar quão pouco sabia. Peço
desde já paciência e desculpa por um trabalho muito aquém do que gostaria de
apresentar. Espero, pelo menos, suscitar momentos de boas interlocuções quer
agora quer na apresentação do trabalho elaborado por Lia da Fonte (próximo).
A angústia pode e deve ser
situada como ponto de constituição, convergência e reflexão do existir humano.
Filósofos, psicólogos e mesmo o mais leigo dos homens é capaz de elaborar
teorias sobre este tema. Freud preferiu deixar a filosofia para os filósofos
(nem tanto) e iniciou suas pesquisas psicanalíticas a partir da angústia que
supunha se manifestar nas histéricas. Ao que parece, já intuía a complexidade
e, paradoxalmente, a simplicidade de sua escolha. Complexidade porque não há como deixar de
fazer relação entre a angústia e os demais assuntos por ele estudados (corpo,
inconsciente, sexualidade, limites, prazer, desprazer, castração entre outros).
A angústia acompanha a obra freudiana do início ao fim. Simplicidade porque,
simples é o elemento formado de uma só substância. Somos constituídos pela
angústia, tudo mais é derivativo dela.
Mas, antes de entrarmos
propriamente nas trilhas da angústia em Freud, é necessário que nos detenhamos
sobre o termo e suas várias utilizações. Não convém fazer uma transferência
imediata do termo ansiedade por angústia ou medo por pavor. Este caminho gera
conseqüências, equívocos indesejáveis e complicadores da leitura freudiana. Há
trechos na obra de Freud em que fica difícil distinguir entre angústia,
ansiedade, medo e pânico. Concordamos com Zeferino quando ele diz que “O mais
importante, para Freud, não é fundamentar as distinções entre a angústia e o
medo, nem entre a angústia e a ansiedade, mas distinguir na angústia, no medo
ou na ansiedade, pouco importa, aquilo que desperta o ego para mobilizar suas
defesas e controlar a situação de perigo; caso contrário, o ego será apanhado
de improviso e submerso de tal modo pela onda da angústia, a ponto de ficar sem
nenhuma chance de controle sobre a situação de perigo”. (2000, p.36).
[1]
Frase proferida por Freud, segundo Ernest Jones perante a Sociedade
Psicanalítica de Viena em 1909.
Nunca é demais remarcar que na
raiz etimológica da palavra angústia, independentemente da língua de origem,
seja na língua grega, latina, alemã, francesa, espanhola, portuguesa ou
italiana, todas trazem a idéia de aperto, sufocamento, dor, opressão, temor,
ansiedade, aflição, medo.
Este trabalho tem por propósito
apresentar as trilhas da angústia na obra freudiana, muito sucintamente, bem
como oferecer hipóteses para nossa reflexão, extraídas a partir da leitura dos
principais textos freudianos sobre a angústia: a dor como antecedente e precipitante
da angústia; a angústia é primeiramente sentida como alteração no funcionamento
corpóreo infantil; é esta dor/excesso/desprazer que faz surgir a angústia e
aciona o recalque, faz exigência de trabalho; a angústia mobiliza a reação de
defesa do ego, defesa pela fuga, mesmo quando o perigo é interno, pelo
acionamento dos diversos mecanismos de defesa, somados à inibição e à formação
de sintomas; e ego como um grande administrador da economia pulsional. Vejamos
se isto é compreensível e aceitável.
Feitos estes breves
esclarecimentos, concordamos que podemos distinguir três momentos nas
elaborações da angústia na obra freudiana, de 1892-1900, de 1900-1920 e de
1920-1938. A primeira teoria da angústia foi elaborada em duas fases de
1892-1900 e de 1900-1920. A segunda compreende o período de 1920 a 1938.
Primeira parte da teoria da angústia (1892-1900)
Havia uma nosografia que
distinguia as neuroses atuais (neurastenia e neurose de angústia) das
psiconeuroses. A neurastenia era decorrente do mal funcionamento sexual,
incapaz de resolver de forma adequada a descarga de tensão sexual física. A
neurose de angústia era produto da tensão sexual física que não havia sido
psiquicamente ligada. A energia livre transformava-se em angústia. Neste
período, a angústia era inscrita no corpo e no psiquismo, teve como base o
modelo econômico e como etiologia a sexualidade. Inscrita no corpo quando dizia
respeito às neuroses atuais, em especial, a neurose de angústia e inscrita no
psiquismo sem, contudo, deixar de ser inscrita no corpo quando Freud considerou
as psiconeuroses. De acordo com Zeferino “Desde o início, a angústia foi
inscrita no corpo e no psiquismo. A ênfase dada ora à inscrição no corpo, ora
ao registro do psiquismo, depende do contexto no qual a angústia é abordada”. (2000,
p. 44). As neuroses atuais revelavam disfunções atuais da vida sexual e
expressavam sintomas somáticos, as psiconeuroses de defesa (histeria, fobia e
neurose obsessiva)[1]
lidavam com lembranças, símbolos mnêmicos portadores de conflitos psíquicos
referentes não à vida presente, mas ao passado, ocorridos mesmo na infância
remota na qual a memória dos fatos se perdeu.
Poderíamos realçar,
resumidamente, algumas das principais idéias de Freud neste período:
- a importância inquestionável da
sexualidade na vida dos seres humanos desde a infância até a idade adulta[2];
- etiologia sexual presente em
toda neurose;
- o papel da defesa na formação
das neuroses - um esforço para diminuir a força da representação de modo que
esta não demandasse exigência de trabalho;
- a participação e importância do
corpo. É através do corpo que a angústia se manifesta;
- a noção de conflito presente
nas psiconeuroses;
- acúmulo de excitação somática;
- a angústia era sempre
decorrente da libido que fora desviada de seu emprego normal;
- déficit de libido psíquica.
Vale salientar que neste período
a angústia ainda não era vista por Freud como constitutiva ou como um fenômeno primário, ela era resultante
direta da transformação da excitação sexual que não pôde ser ab-reagida.
[1]
Também incluídos nos seus estudos a melancolia, a paranóias e as psicoses
alucinatórias. Ver artigo As neuropsicoses de defesa. Vol.III.
[2]
Ver artigo A sexualidade na etiologia das neuroses de 1894.
Segunda parte da teoria da angústia (1900-1920)
Neste período, sem deixar de ser
inscrita no corpo a angústia passa também a ser estudada no registro do
psiquismo.
Podemos supor que o interesse de
Freud pela neurose de angústia diminui consideravelmente diante dos seus
estudos metapsicológicos, em especial, a elaboração de sua primeira tópica do
aparelho psíquico formado pelos sistemas Ics, Pcs e Cs, o narcisismo, a teoria
das pulsões, o Inconsciente, o recalque.
Caberia ao aparelho psíquico, em
seu pleno funcionamento, evitar o acúmulo excessivo de excitação, mantendo-a o
mais baixo possível ou constante. Quando isto não acontecia, provocava o
aumento de tensão e, consequentemente, surgia a angústia.
Para Zeferino “Neste novo
contexto teórico-clínico, Freud ressalta, particularmente, o papel da Triebangst, ou seja, da angústia
pulsional nos conflitos que estão na base das psiconeuroses de defesa, em
geral, e, de modo particular, na histeria de angústia”. (2000, p.72).
Nas psiconeuroses de defesa
(psicose, paranóia, neurose obsessiva, histeria e fobia – todas faziam uso de
diferentes mecanismos de defesa com o intuito de manter a representação
ideativa afastada da consciência). Aqui a causa geral era devida à
incompatibilidade na vida psíquica de uma representação ideativa ou afetos
aflitivos impossíveis de serem elaborados pelo ego. Entram em cena dois fatos
importantes: a defesa e o conflito psíquico.
Sem nunca abandonar a importância
da abordagem econômica, Freud, neste período, centra maior importância na
dimensão tópico-dinâmica, atribuindo destaque aos destinos da representação e
do afeto levando em consideração as noções sobre o recalque.
Aqui, as excitações muito fortes
e não elaboradas evidenciavam o perigo pulsional interno, uma ameaça ao
equilíbrio do funcionamento psíquico. Nestas circunstancias, não caberia a fuga
ou o evitamento, caberia apenas a defesa através da utilização do recalque, da
separação do representante ideativo do afeto. Mas, vale lembrar, um afeto pode
ser produzido sem que haja uma representação ou idéia correspondente.
O afeto
Sabemos que, para Freud, a fonte
da pulsão é o corpo. A pulsão, é território de fronteira por excelência, só
pode ser inscrita no psiquismo através de um representante, “representante
psíquico da pulsão”, que, por sua vez, pode ser distinguido em dois aspectos:
ideativo ou representativo da pulsão – Vorstellung
(representação) e Repräsentanz (representação)
e Affektbetrag des repräsentanz (aspecto
afetivo ou quota de afeto do representante psíquico da pulsão).
O afeto desligado da idéia, por
efeito do recalque, pode ser deslocado para outras representações ou permanecer
isolado. Freud tinha especial atenção ao afeto no processo do recalque, dizia
ele:
“... o destino
da quantidade de afeto do representante [psíquico da pulsão] é muito mais
importante do que o destino da representação e que ele decide sobre o juízo do
processo do recalque. Se um recalque não consegue impedir o aparecimento dos
sentimentos de desprazer ou de angústia, então podemos dizer que ele fracassou,
mesmo que tenha alcançado seu objetivo, no que se refere à parte da
representação” (1915, p.177).
Para Zeferino “É, sobretudo
quando aborda o problema metapsicológico do representante afetivo da pulsão que
Freud faz trabalhar o conceito de angústia”. (2000, p.75).
Ainda que primariamente[1],
neste período, Freud começa a pensar na função defensiva da angústia. Isto
porque o recalque entraria em cena diante de um perigo, perigo pulsional. A 25ª
Conferência[2]
gira em torno da distinção entre a Realangst
(angústia diante de um perigo real externo conscientemente reconhecível) e Neurotische Angst (angústia neurótica,
sem justificativa plausível).
Freud pensa na angústia-real em
dois momentos: o de preparação e o de fuga da situação de perigo, ou seja,
intimamente ligada à auto-conservação.
No que diz respeito à angústia
neurótica, Freud dizia que ela se diferenciava da angústia-real por ser
“angústia flutuante” ou um estado geral de ansiedade no qual o sujeito se
angustia sem saber a causa. Este estado de angústia é acompanhado pela
“expectativa ansiosa”, por uma certeza
de que algo ruim está para acontecer mesmo sem saber o que, quando e como. Foi
assim que Freud definiu o destino da angústia nas neuroses de angústia bem como
nas fobias infantis. A libido ficava, antes de ser projetada, estagnada no ego
gerando assim uma “expectativa ansiosa”. Esta situação podia acontecer devido à
imaturidade do ego ou por causa de um modo de satisfação inadequado da libido.
[1] Freud
retomará sobre a função defensiva da angústia em Inibição, sintoma e Angústia
(1926). Mas, neste momento, Freud faz a seguinte referência na Conferência 25
de 1916 “...esta conferência constitui a abordagem mais completa sobre o tema
(Angústia), na época em que foi proferida”.
[2] Grande
parte dos autores considera a Conferência XXV, A Angústia, como texto de
passagem, transição entre o que já fora dito por Freud e o que iria ser
retomado por ele em Inibição, sintoma e angústia.
Segunda teoria da angústia (1920-1938)
Freud refaz sua trajetória da
teoria sobre A Angústia a partir da reformulação da teoria das pulsões
realizada no artigo Além do princípio do prazer (1920), da introdução da pulsão
de morte e da divisão estrutural do aparelho psíquico, no artigo O Ego e o Id
(1923). O ego passa a ser o lugar da angústia, apenas ele seria capaz de
produzi-la, senti-la e percebê-la. Repensa a natureza da angústia e reformula
sua função. Prioriza o perigo externo pulsional dando lugar de destaque à
angústia de castração. No texto Inibição, sintoma e angústia (1926), faz a
oposição conceitual entre angústia sinal e angústia automática. Havia um novo
entendimento da angústia à luz da segunda tópica. Redefiniu o lugar da
angústia-real (Realangst) em relação
à angústia pulsional (Triebangst).
A angústia muda de lugar e de
estatuto. Deixa de ser o resultado de um movimento de defesa do ego e passa a
ser um dispositivo que avisa ao ego que ele tem que se defender frente à ameaça
de uma situação de perigo, perigo interno geralmente ligado à separação ou
perda do objeto amado, o que (re)conduziria o sujeito à situação de desamparo.
Como último recurso o ego utiliza-se da angústia como sinal para defender-se da
ameaça da sobrecarga libidinal, colocando em marcha o processo do recalque. A
isto Freud chama efeito de inoculação[1].
Em vez do recalque provocar
angústia, dentro da nova postura freudiana, a angústia é que acionaria o
recalque. A angústia lançaria mão do recalque para impedir que a sensação
insuportável e por vezes, incontrolável do desprazer/sofrimento sucumbisse o
ego à imobilidade. Agora, em vez do ego acionar o recalque diante da situação
desagradável, a sensação desagradável alertaria o ego para que ele mobilizasse
suas defesas.
Em Inibição, sintoma e angústia
(1926) e em muitos artigos que o antecedem, Freud aborda experiência do
nascimento como protótipo de todos
os estados de angústia que surgirão no futuro ao longo da vida do sujeito. Esta
idéia persiste mesmo nos últimos artigos quando Freud refere, “Parece que a
ansiedade, na medida em que constitui um estado afetivo, é a reprodução de um
evento antigo que representou uma ameaça de perigo[2];
a ansiedade serve como propósito de autopreservação e é sinal de um novo perigo; surge da libido que se
tornou, de algum modo, não utilizável e também
(grifos meus) surge durante o processo de repressão; é substituída pela
formação de um sintoma, é, digamos assim, psiquicamente vinculada” (1932,
p.107). Aqui, o recalque parece ainda provocar angústia (elaboração da primeira
teoria), mas secundariamente, ou seja, o recalque não sendo garantidor de
livrar o ego integralmente da angústia, continua produzindo-a ainda que, de
outro modo. O recalque ajudaria assim na circunscrição da angústia para lhe dar
uma “certa organização”, fruto do funcionamento do ego. Penso no seguinte
percurso: desprazer – angústia – recalque – angústia residual – sintoma – angústia...
Podemos inferir que o corpo do
recém-nascido recebe intensas descargas de sensações físicas (aceleração nos
batimentos cardíacos, aumento na freqüência respiratória, invasão excessiva de
luz, som etc) sem que haja, ainda, possibilidade de representações psíquicas.
Quando por qualquer motivo, essa situação é reavivada, a angústia é
“reproduzida como um estado afetivo em conformidade com a imagem mnêmica já
existente” (vol. XX, 1926, 114). Podendo
o sujeito encontrar-se em estado de desamparo semelhante ao vivido
anteriormente, ou seja, tão desamparado quanto o recém-nascido fora um dia.
As crianças descobrem pela
própria experiência que a ausência do objeto/mãe traz sensação similar àquela
vivida durante o nascimento e, inversamente, sua presença, afasta a lembrança
traumática daquela situação de perigo e desamparo. Diante da ausência da mãe a
criança dá sinais de desconforto antes mesmo que a temida situação se
estabeleça e ela se veja em situação de desespero, novamente.
Na Conferência XXXII, Ansiedade e
vida instintual, Freud retoma antigas questões sobre a angústia, como o
nascimento e a referência ao momento traumático, vejamos “O que é essencial no
nascimento, assim como em toda situação de perigo, é que ele imprime à
experiência mental um estado de excitação marcadamente intensa, que é sentida
como desprazer e que não é possível dominar descarregando-a. Um estado desse
tipo, ante o qual os esforços do princípio do prazer malogram, chamemo-lo
momento traumático”(1932, p. 118).
O ego nem sempre é capaz de
dominar a libido, ele teme a estagnação da libido por ter a inscrição de traços
mnêmicos desagradáveis ante uma situação sobre a qual não tem domínio, pode
apenas acionar suas próprias defesas (recalque, inibições, formação de sintomas,
sublimação) e minimizar os prejuízos/desconforto da obrigatoriedade da
convivência com sua outra parte.
[1]
“... o ego sujeita-se à ansiedade como uma espécie de inoculação, submetendo-se
a um ligeiro ataque da doença a fim de escapar de toda a sua força”. (1926,
p.187).
[2] Talvez
pudéssemos ousar fazer um paralelo entre as palavras de Guimarães Rosa e Freud,
se para Guimarães viver é perigoso, para Freud, nascer era perigoso. Nas
palavras de Freud, “No ato do nascimento há um verdadeiro perigo para a vida”
(1926, p.158).
Hipóteses a ser compartilhadas
A angústia é Senhora. A angústia
é filha da dor, desde que o mundo é mundo é assim[1].
O corpo é, do nascimento até a morte, produtor e receptor das excitações.
Quando intensas, as excitações são a princípio sentidas como alterações
desagradáveis tanto pelo organismo como pelo incipiente psiquismo. A angústia seria
então o resultado da interpretação da dor/desequilíbrio/desamparo, como
exigência de trabalho que o organismo imprime ao psiquismo e o psiquismo chama
para si a responsabilidade. Se, para Freud, O eu é um eu corporal, ele surgiria
em decorrência das exigências pulsionais e se diferenciaria pela sua capacidade
em administrar a economia pulsional.
O ego, por ser a parte organizada
do id e manter contato com o mundo interno e externo, assume várias funções,
entre elas, tem a missão de usar a defesa como forma de reação. Ante a situação
de angústia, aciona suas próprias defesas, lança um sinal para si mesmo. Se
onde há fumaça, há fogo então o ego lança a fumaça com o objetivo de minimizar
os efeitos da angústia, ou seja, antecipa fragmentos da cena traumática para se
preparar e não ser apanhado por uma invasão surpresa.
Outro recurso usado pelo ego como
forma de defesa é a inibição e a formação de sintomas. Na inibição, ele se
exime de suas funções, defende-se da angústia pela inatividade. No sintoma,
busca alívio intermediário, quando tenta satisfazer as exigências pulsionais do
id, há ainda a situação em que teme a perda de amor do superego[2].
Do húmus, Terra lhe deu o corpo,
de Jupiter recebeu a alma[3],
da Angústia recebeu a forma. Suas faces, múltiplas. Seu sentir, variado e
inespecífico. Sua vida, eterna. A teremos enquanto vivermos. É infinita
enquanto dura.
A angústia. Há Angústia. Ah!
Angústia.
Referências Bibliográficas
FREUD S.
Rascunho E: Como se origina a ansiedade. Obras Completas. Vol.I. Rio de
Janeiro: Imago Editora, 1980.
_________ As
neuropsicoses de defesa. Obras
Completas. Vol.III. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1980.
_________ A
repressão.
_________
Conferência XXV A Ansiedade. Obras Completas. Vol.XVI. Rio de Janeiro: Imago
Editora, 1980.
_________
Inibição, sintoma e angústia. Obras Completas. Vol.XX. Rio de Janeiro: Imago
Editora, 1980.
ROCHA Z. Os
destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Escuta, 2000.
Artigos
CAMPOS, Érico
Bruno Viana. A primeira concepção da teoria da angústia; uma revisão crítica. Ágora (Rio J.) vol.7 no.1 Rio
de Janeiro July/Jan. 2004.
TELLES, Silva
Rosana. As vicissitudes da teoria da angústia na obra freudiana. Revista
Mal-estar e subjetividade/Fortaleza. V.III. n. 1.
* Trabalho
apresentando no grupo de estudos da Intersecção Psicanalítica do Brasil dia
09.08.2011. Deborah Foinquinos.
[1]
Caetano Veloso em sua obra Desde que o samba é samba, já dizia que:
A tristeza é senhora...
Solidão apavora
Tudo demorando em ser tão ruim
[2] É
interessante ler sobre a diferença que Freud faz entre a dor e a perda. “A dor
é assim a reação real à perda de objeto, enquanto a ansiedade é a reação ao
perigo que essa perda acarreta e, por um deslocamento ulterior, uma reação ao
perigo da perda do próprio objeto”.
[3]
Ver em anexo a Fábula da Angústia ou também chamada de Fábula do Cuidado.
Anexo 1
Fábula da angústia
“A angústia ao atravessar um rio,
viu uma massa de argila e, mergulhada nos seus pensamentos, apanhou-a e começou
a modelar uma figura.
Quando deliberava sobre o que
fizera, Júpiter apareceu. A angústia pediu que ele desse uma alma à figura que
modelara, e, finalmente, conseguiu o que pediu.
Como Angústia quisesse dar seu
próprio nome à figura que modelara, Júpiter proibiu e prescreveu que lhe fosse
dado o seu. Enquanto Angústia e Júpiter discutiam, Terra apareceu e quis que
fosse seu o nome daquela a quem fornecera o corpo.
Saturno foi escolhido como árbitro.
E este, equitativamente, assim julgou a questão:
Tu, Júpiter, porque lhe deste a
alma, tu a terás depois da morte. E tu, Terra, porque lhe deste o corpo, tu o
receberás quando ela morrer. Todavia, porque foi Angústia quem primeiramente a
modelou, que ela a tenha, enquanto viver”.
(Da Fábula 220 de Caius
Julius Higinus)