sexta-feira, 27 de abril de 2012

O que é MESMO, e o que não é MESMO Terapia Ocupacional?


Maio de 2002


Nesses 20 últimos anos, a Terapia Ocupacional cresceu, se difundiu e se pluralizou em escala nacional e internacional. Esta pluralização mostra a força e a saúde do conhecimento Terapêutico Ocupacional, mas vem ao mesmo tempo, colocando em risco sua própria existência, ao gerar uma Babel de linguagens Terapêuticas Ocupacionais. Vivemos atualmente entre diversos autores que criaram paradigmas Terapêuticos Ocupacionais, entre as escolas que criaram ou inspiraram nos seus países de origem em comunidades distantes, entre instituições de formação de estrutura e afiliação as mais diversas, entre modos de práticas a Terapia Ocupacional que ás vezes se opõem radicalmente, e entre Terapias Ocupacionais pessoais idiossíncráticas que são gerados pelos Terapeutas Ocupacionais que pensam que todo ato Terapêutico é um ato de criação e que não acreditam numa afiliação direta a teorias já prontas.
É nesse contexto que se tornou mais visível um fenômeno que já é conhecido de alguns, mas que é pouquíssimo estudado: o “Isso não é Terapia Ocupacional”. Além de ser uma Expressão, um clichê, uma forma sociolinguística estável. O “Isso não é Terapia Ocupacional” é um paradigma de pensamento e uma atitude mental que orienta e protege o Terapeuta e os envolvidos com Terapia Ocupacional na dolorosa desorientação, que para muitos, se tornou o campo Terapêutico Ocupacional.
“Isso não é Terapia Ocupacional” surge frequentemente quando alguém ou um grupo Terapêutico Ocupacional se confronta ou se encontra com a diferença, isto é, com um modo de pensar, praticar ou institucionalizar a Terapia Ocupacional que é diferente do que todo aquele individuo ou grupo adota.
Em situação de confronto intelectual e estress político e ideológico, a maioria de nós recorre o “Isso não é Terapia Ocupacional”. E a lógica aniquiladora que esta forma de pensamento encerra emerge em vários outros pontos do campo Terapêutico Ocupacional, como por exemplo, a técnica tal como é entendida dentro dos fóruns produtores e difusores do conhecimento a exemplo das universidades.
Mas o fato é que “Isso não é Terapia Ocupacional” é um argumento de poder – aliás, muito próximo do “VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?” – que é adicionado, com frequência, quando terapeutas são colocados frente a frente com algo que não entendem, que é diferente do que fazem, que desafia aquilo que constituem o esteio último de sua identidade e que, portanto os ameaça.
O problema é, então que a pluralidade Terapêutica Ocupacional, é ameaçadora para aqueles que nela vivem, e ao invés de ter gerado uma “democracia terapêutica ocupacional”, corre o risco de provocar o esfacelamento progressivo do campo terapêutico ocupacional numa Babel em que cada um vai acabar dizendo “Isso não é Terapia Ocupacional” numa língua própria que só ele consegue entender.
A questão é certamente muito complexa, mas é possível tentar impedir que cheguemos a tal situação. Um dos modos para tentar fazer isso é substituir o “Isso não é Terapia Ocupacional” pelo estudo mais amplo do campo Terapêutico Ocupacional, pelo conhecimento de sua evolução e das condições de sua progressiva diferenciação.
Este estudo, no entanto, tem que fazer parte da formação sistemática dos Terapeutas Ocupacionais, que teria, assim, que ser ao mesmo tempo teoricamente mais exigente (isto é, reforçar o conhecimento das várias teorias terapêuticas ocupacionais) e estar baseada no desenvolvimento do movimento da profissão querem do passado, quer na contemporaneidade. Não se pode esperar milagres do conhecimento, ainda mais se ele não vier associado a reformas na estrutura ainda mais se ele não vier também associados a reformas na estrutura política das instituições que as tornem mais democráticas e ao mesmo tempo mais capazes de estimular e acolher o espírito cientifico a seriedade da pesquisa em Terapia Ocupacional.
O conhecimento por si só não opera qualquer mágica, mas certamente muda as representações que os Terapeutas Ocupacionais e os que se interessam por Terapia Ocupacional tem do que é Terapia Ocupacional, dificultando assim, o autoritarismo simplificador que oculta, no fundo, a ignorância de quem fala que “Isso não é Terapia Ocupacional”.
Um estudo sectário e não religioso das obras de alguns autores mostra facilmente que elas são uma grande síntese instável, e que é preciso antes de tudo aprender a ler estes autores. A experiência do contato repetido com seus textos mostra várias contradições inevitáveis, mostra que, por exemplo, ao contrário de suas definições oficiais do que Terapia Ocupacional, esta aparece em textos como indissociavelmente ciência, desejo, mitologia, política, estética...
O “Isso não é Terapia Ocupacional” é então uma identificação com a parte autoritária do poder, que nos protege contra a angústia de não podermos criar paradigmas, de não termos a liberdade da criação.
Após todos estes anos em que a Terapia Ocupacional vem constituindo sua história podemos perceber os efeitos de um luto impossível, num campo de conhecimento regido por forças que ignoramos e que nos comandam.
Vamos trabalhar para nos próximos tantos anos, evitar que a Terapia Ocupacional seja derrotada pelos próprios Terapeutas Ocupacionais.

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