UMA BREVE NOTA: Há uma semana encontrei esta minha fala datilografada e cheia de rabiscos. Trata-se de uma conferência realizada no ENORFITO - Encontro Nordestino de Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais. Realizado em Salvador - BA, Dezembro de 1990.
Fiquei na dúvida se publicaria da forma como a encontrei ou se faria uma revisão adequada ao tempo de agora. Decidi que depois de 23 anos, mesmo datada, faz sentido publicá-la. Entendi que foi através dessa escrevinhação, que começei a ensaiar os meus primeiros passos para entender os processos de Terapia Ocupacional numa relação imediata com os processos subjetivos. Naquele época buscava através da psicanálise elementos que pudessem suavizar os conflitos por mim vivenciados no meu fazer clinico. Aliado também da antropologia, fui remetido a Lacan que através da leitura dos seus textos, quebrou-me inúmeros galhos. Leituras densas, instigadoras, inteligentes e absolutamente fascinantes. Diante das dificuldades de entendimento de todos aqueles conceitos, resolvi encarrar o que lia, como se estivesse lendo um lindo e misterioso romance. Terminei por me dar bem, já que fui encontrando grandes veredas e pistas.
*Luiz Gonzaga P. Leal.
É sempre bom lembrar que um copo vázio está cheio de ar.
(Chico Buarque de Holanda)
(Chico Buarque de Holanda)
Agradecer o convite por estar aqui, é falar também de minha emoção em participar deste evento, bem como do meu desejo de comunicar minhas ideias. Desta forma, então, falar do quê, senão também sobre minhas histórias...
Quando consultado para dar uma conferência neste encontro, de início fui tomado por uma dúvida: se falaria em torno de um tema que congregasse interesse apenas dos Terapeutas Ocupacionais, ou se acerca de algo que a um só tempo pudesse também interessar aos Fisioterapeutas. Decidindo pela 2ª opção ocorreu-me escolher o tema.
O fio condutor que me levou a escolha, partiu da constatação de que nós Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais, não apenas tratamos a doença, mas o doente na qual esta se instala. O doente por sua vez, a sua pessoa, empresta significados ao ato de adoecer, que por ser vivenciado como terrificante e ameaçador declara sofrimento e dores.
É da sua compreensão que resulta um adequado manejo daquele que se encontra atrelado as malhas da doença. Pois estar doente significa, estar preso a uma determinada ocorrência da qual não se pode livrar (o sintoma) e que causa sofrimento, cujo alívio é buscado através do Terapeuta, de suas possibilidades, do seu saber. A ameaça de aniquilamento, de destruição e de morte, são vivenciados de forma intensa e catastrófica, uma vez que estar doente significa facilmente esta regredido e como tal privado parcialmente de um raciocínio lógico e adulto. Essa angústia de aniquilamento provoca que se procure na figura do Terapeuta um poder maior onipotente, que se possa imediatamente promover um controle sobre o que se sente como o incontrolável.
Nós, Terapeutas Ocupacionais e Fisioterapeutas não fomos preparados exatamente para cuidar de pessoas, e sim de doentes. Fomos por demais influenciados pelo discurso médico, cuja marca, prima pela exclusão da subjetividade do sujeito, ou seja, pela exclusão da subjetividade daquele que adoece.
Esta subjetividade inerente a cada um, a cada pessoa, empresta um significado, uma tonalidade ao ato de adoecer, pois na verdade, não somos capazes de reconhecer a realidade, senão da forma como ela está organizada dentro de nós.
Quando consultado para dar uma conferência neste encontro, de início fui tomado por uma dúvida: se falaria em torno de um tema que congregasse interesse apenas dos Terapeutas Ocupacionais, ou se acerca de algo que a um só tempo pudesse também interessar aos Fisioterapeutas. Decidindo pela 2ª opção ocorreu-me escolher o tema.
O fio condutor que me levou a escolha, partiu da constatação de que nós Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais, não apenas tratamos a doença, mas o doente na qual esta se instala. O doente por sua vez, a sua pessoa, empresta significados ao ato de adoecer, que por ser vivenciado como terrificante e ameaçador declara sofrimento e dores.
É da sua compreensão que resulta um adequado manejo daquele que se encontra atrelado as malhas da doença. Pois estar doente significa, estar preso a uma determinada ocorrência da qual não se pode livrar (o sintoma) e que causa sofrimento, cujo alívio é buscado através do Terapeuta, de suas possibilidades, do seu saber. A ameaça de aniquilamento, de destruição e de morte, são vivenciados de forma intensa e catastrófica, uma vez que estar doente significa facilmente esta regredido e como tal privado parcialmente de um raciocínio lógico e adulto. Essa angústia de aniquilamento provoca que se procure na figura do Terapeuta um poder maior onipotente, que se possa imediatamente promover um controle sobre o que se sente como o incontrolável.
Nós, Terapeutas Ocupacionais e Fisioterapeutas não fomos preparados exatamente para cuidar de pessoas, e sim de doentes. Fomos por demais influenciados pelo discurso médico, cuja marca, prima pela exclusão da subjetividade do sujeito, ou seja, pela exclusão da subjetividade daquele que adoece.
Esta subjetividade inerente a cada um, a cada pessoa, empresta um significado, uma tonalidade ao ato de adoecer, pois na verdade, não somos capazes de reconhecer a realidade, senão da forma como ela está organizada dentro de nós.
Discurso Médico – Marcas e caracterizações
O discurso médico prima por excluir a subjetividade tanto daquele que enuncia como daquele que o escuta. Daí a pretensa objetividade do cientista que, na verdade, está calcada na abolição da subjetividade do autor.
Evidenciando que é a exclusão das posições subjetivas do médico e do paciente o que funda a relação médico-paciente, é que Lacan dirá que não existe relação médico-paciente.
O médico só intervém e só fala enquanto lugar tenente da instituição médica, enquanto funcionário, instrumento do discurso médico. O médico só existe em sua referência constante do saber médico, do corpo médico, dá instituição médica. Ele se anula enquanto sujeito perante a exigência de objetividade científica, ou seja, o médico só se autoriza por não ser ele próprio, por ser próprio o menos possível.
O apagamento da subjetividade do médico pode ser evidenciado ao constatarmos que a lógica institucional – transcende a particularidade do médico que examina, decorrendo daí o fato de o estilo das observações do prontuário de um doente ser o mesmo, independentemente do sujeito que entrevistou.
O médico diante do outro que sofre, que agoniza, sofre também, não por partilhar do sofrimento daquele, mas por nada poder fazer para superar sua própria impotência perante a doença fatal. Impotência que seria desfeita no momento em que a potencia de seu saber pudesse enfrentar, sem temer uma derrota, o Mestre absoluto, ou seja, a morte. Arma terapêutica, arsenal terapêutico são expressões vigentes no vocabulário médico – para enfrentar o inimigo, o que lhe possibilitará dar provas de sua mestria.
Dessubjetivação, ainda, que se revela pela rareza do encontro entre médico e doente, ficando este submetido ao tratamento de uma equipe médica – o trabalho em equipe é um dos estandartes que o discurso médico levanta atualmente, ao mesmo tempo que, contraditóriamente, e sem aperceber-se disso, alteia a flâmula da relação médico-paciente – que se reveza junto ao doente, valoriza apenas os dados escritos no prontuário por outros médicos para diagnosticar e prescrever. O que se demonstra no inegável hábito de o médico chegar junto ao leito do doente já ciente de todas as informações da equipe escritas no prontuário.
Tais informações, tal saber, constituem o elemento que mediatiza, a partir daí, o que se passará no encontro. Encontro que, portanto, não existe, sendo apenas o ardil para o encontro do médico com seu próprio discurso. Sob a máscara de um diálogo, é um monólogo que se instaura. Onde se evidencia a função silenciadora do discurso médico, que ao se valer apénas dos elementos de seu próprio discurso abole tudo o que nele não possa se inscrever.
Por outro lado, o doente, não é a ele que o médico se dirige, mas ao homem presumidamente normal que ele era e que deve voltar a ser. Homem normal, ou seja, que raciocina com justeza o que significa que ele deve se submeter à razão médica. Qualquer insurgência contra a razão médica é sempre tomada como sinal de desrazão.
A ordem médica, é sobretudo uma ordem jurídica. O direito, “diz Kelsen”, não fala do ser, mas apenas do “dever-ser” e os meios do direito, as sansões, destinam-se a fazer com que cada um aceda ao dever-ser. O homem tal como é definido pela medicina, também é da ordem do dever-ser, é o homem em boa saúde, aquele ao qual cada um acenderá se seguir as prescrições da razão médica.
Mas o ser, o mormente doente, não interessa a medicina, daí o médico não se dirigir ao doente, mas ao futuro homem são.
E é nesse sentido que também se pode evidenciar que não existe relação médico-paciente. Só existe a relação instituição médica-doença.
Médico e doente destituídos de sua subjetividade prevalecem à instituição médica, lugar da totalidade do discurso médico, e da qual o médico é apenas o anônimo representante -, e a doença – objeto constituído pelo próprio discurso médico, sendo o homem únicamente o anônimo terreno no qual a doença se instala.
A exigência do uniforme tanto para o médico quanto para o doente hospitalizado – do mesmo modo que no exercito, no presídio, e no convento – parece adquirir sua significação não apenas da necessidade de identificação imediata do sujeito ou das regras de higiene e da assepsia, mas também da uniformização que o duplo anonimato em questão requer.
É através de uma receita que o médico prescreve ao doente, ou seja, através de uma ordem. A prescrição médica é um enunciado dogmático: coma isso, não beba aquilo, não fume, repouse, faça exercícios... Até a sexualidade sofre este efeito de ordenação que está implícito na prescrição: manter relações sexuais periodicamente ajuda a manter a boa forma!... O que tem por efeito transforma a vida amorosa do sujeito num dever conjugal, o que é exatamente o modo pelo qual a ideologia dominante encara a sexualidade. Por onde se depreende o conchavo do discurso médico com o discurso dominante, um utilizando o outro para impor seus ditames, suas leis e seus ideais. Daí, que, converter, convencer, vencer, passam a ser palavras de ordem deste discurso, ou seja, o discurso do Mestre. O inquérito médico, configurado pela anamnese, abole a “escuta” – escuta “seletiva”, não valorizando a priori nenhum dos elementos do discurso do sujeito, estando o cuidador submetido aos pré-conceitos para ouvir.
O que está em jogo é a passagem de um discurso a outro, do discurso do mestre para o discurso do Terapeuta, passagem da posição dogmática para a posição compreensiva. Passagem, enfim, da postura do sujeito que sabe, próprio do médico (domínio do Mestre) a do suposto saber, lugar do Terapeuta.
Tomemos aqui o exemplo da histeria. A histeria, com seus sintomas denominados pelo discurso médico de migratórios, ludibria o saber médico, colocando-o num impasse. E do médico, a histérica só ouvirá como resposta: “Você não tem nada!”.
Mas, curiosamente, entre os médicos, comenta-se que ela tem alguma coisa, sim, ela sofre de “piti”... O que para nós, só faz evidenciar a desqualificação que é promovida pelo diagnóstico de “piti", diagnóstico impossível de ser revelado sem desencadear no outro seu intuito mais secreto, a agressão moral. Diagnóstico que tem como função a de desqualificar o sujeito, desqualificando-o enquanto doente.
A histérica é acusada de simular os sintomas, termos que remete diretamente ao contexto teatral e seu jogo. O papel que deveria representar na cena médica, este papel ela não o desempenha bem. E recusando-se a coadjuvar no papel que lhe apresentam, será, então, seu drama que não será ouvido.
Esta recusa está na dependência de os sintomas da histérica não remeterem ao discurso médico, mas ao próprio sujeito.
Na antiguidade, eram as histéricas tidas como bruxas, feiticeiras, possuídas, por isso sujeitas a fogueiras dos inquisidores.
No presente diz-se: “com esta paciente só matando”, pois tanto num registro, quanto no outro, o que se incinera, se esfuma, se matam é o desejo do sujeito – a sua subjetividade.
Através das diversas etapas pela quais se efetua o “ato médico”, ou seja, as etapas do diagnóstico, do prognóstico, e da terapêutica, o que se configura é um discurso totalitário que exclui a diferença, único modo pelo qual a subjetividade poderia se manifestar.
Por intermédio da utilização de um vocabulário ao qual o doente não tem acesso, o discurso médico opera reduzindo o sentido dos diferentes ditos do sujeito, àquilo que é passível de ser inscrito no discurso médico.
A pluralidade de sentido, característica da língua, é abolida para dar lugar à univocidade de sentido, ideal do código. Desse modo, o discurso médico apropria-se do discurso do sujeito, transformando os significantes de sua fala em signos, em sinais médicos.
Importa relembrar aqui a definição que Lacan dá do signo, como sendo aquilo que representa alguma coisa para alguém (que saiba lê-lo), diferentemente do significante que representa um sujeito para outro significante.
Operação de que se vale o discurso médico e pela qual diversos significantes, tais como um abafamento no peito, uma falta de ar, uma angustia por dentro, uma sensação de sufoco etc., serão todos reduzidos, univocamente, ao sinal clínico da dispneia. E isto para que possam ser inscritos no discurso médico. Do mesmo modo, um peso na cabeça, uma ardência na testa, um latejamento na mente, um pensamento que não para de martilhar, serão reduzidos ao sinal clínico da cefaleia.
A fala do sujeito é ouvida apenas para ser descartada imediatamente. Onde se depreende a função sentenciadora do discurso médico e seu posicionamento exatamente inverso ao discurso daquele que se predispõe cuidar.
O discurso médico, escamoteia o discurso do sujeito não restituindo-lhe o seu lugar, ou seja, constitui uma fala em que o sujeito da enunciação não se manifesta, em que a verdade anunciada por ele deve ser independente daquele que a enuncia.
Desta forma, para finalizar, é impossível conciliar psique e soma no campo do discurso médico. O que a antiga máxima parece, entre outras coisas, sugerir: menssana in corpore sano.
Evidenciando que é a exclusão das posições subjetivas do médico e do paciente o que funda a relação médico-paciente, é que Lacan dirá que não existe relação médico-paciente.
O médico só intervém e só fala enquanto lugar tenente da instituição médica, enquanto funcionário, instrumento do discurso médico. O médico só existe em sua referência constante do saber médico, do corpo médico, dá instituição médica. Ele se anula enquanto sujeito perante a exigência de objetividade científica, ou seja, o médico só se autoriza por não ser ele próprio, por ser próprio o menos possível.
O apagamento da subjetividade do médico pode ser evidenciado ao constatarmos que a lógica institucional – transcende a particularidade do médico que examina, decorrendo daí o fato de o estilo das observações do prontuário de um doente ser o mesmo, independentemente do sujeito que entrevistou.
O médico diante do outro que sofre, que agoniza, sofre também, não por partilhar do sofrimento daquele, mas por nada poder fazer para superar sua própria impotência perante a doença fatal. Impotência que seria desfeita no momento em que a potencia de seu saber pudesse enfrentar, sem temer uma derrota, o Mestre absoluto, ou seja, a morte. Arma terapêutica, arsenal terapêutico são expressões vigentes no vocabulário médico – para enfrentar o inimigo, o que lhe possibilitará dar provas de sua mestria.
Dessubjetivação, ainda, que se revela pela rareza do encontro entre médico e doente, ficando este submetido ao tratamento de uma equipe médica – o trabalho em equipe é um dos estandartes que o discurso médico levanta atualmente, ao mesmo tempo que, contraditóriamente, e sem aperceber-se disso, alteia a flâmula da relação médico-paciente – que se reveza junto ao doente, valoriza apenas os dados escritos no prontuário por outros médicos para diagnosticar e prescrever. O que se demonstra no inegável hábito de o médico chegar junto ao leito do doente já ciente de todas as informações da equipe escritas no prontuário.
Tais informações, tal saber, constituem o elemento que mediatiza, a partir daí, o que se passará no encontro. Encontro que, portanto, não existe, sendo apenas o ardil para o encontro do médico com seu próprio discurso. Sob a máscara de um diálogo, é um monólogo que se instaura. Onde se evidencia a função silenciadora do discurso médico, que ao se valer apénas dos elementos de seu próprio discurso abole tudo o que nele não possa se inscrever.
Por outro lado, o doente, não é a ele que o médico se dirige, mas ao homem presumidamente normal que ele era e que deve voltar a ser. Homem normal, ou seja, que raciocina com justeza o que significa que ele deve se submeter à razão médica. Qualquer insurgência contra a razão médica é sempre tomada como sinal de desrazão.
A ordem médica, é sobretudo uma ordem jurídica. O direito, “diz Kelsen”, não fala do ser, mas apenas do “dever-ser” e os meios do direito, as sansões, destinam-se a fazer com que cada um aceda ao dever-ser. O homem tal como é definido pela medicina, também é da ordem do dever-ser, é o homem em boa saúde, aquele ao qual cada um acenderá se seguir as prescrições da razão médica.
Mas o ser, o mormente doente, não interessa a medicina, daí o médico não se dirigir ao doente, mas ao futuro homem são.
E é nesse sentido que também se pode evidenciar que não existe relação médico-paciente. Só existe a relação instituição médica-doença.
Médico e doente destituídos de sua subjetividade prevalecem à instituição médica, lugar da totalidade do discurso médico, e da qual o médico é apenas o anônimo representante -, e a doença – objeto constituído pelo próprio discurso médico, sendo o homem únicamente o anônimo terreno no qual a doença se instala.
A exigência do uniforme tanto para o médico quanto para o doente hospitalizado – do mesmo modo que no exercito, no presídio, e no convento – parece adquirir sua significação não apenas da necessidade de identificação imediata do sujeito ou das regras de higiene e da assepsia, mas também da uniformização que o duplo anonimato em questão requer.
É através de uma receita que o médico prescreve ao doente, ou seja, através de uma ordem. A prescrição médica é um enunciado dogmático: coma isso, não beba aquilo, não fume, repouse, faça exercícios... Até a sexualidade sofre este efeito de ordenação que está implícito na prescrição: manter relações sexuais periodicamente ajuda a manter a boa forma!... O que tem por efeito transforma a vida amorosa do sujeito num dever conjugal, o que é exatamente o modo pelo qual a ideologia dominante encara a sexualidade. Por onde se depreende o conchavo do discurso médico com o discurso dominante, um utilizando o outro para impor seus ditames, suas leis e seus ideais. Daí, que, converter, convencer, vencer, passam a ser palavras de ordem deste discurso, ou seja, o discurso do Mestre. O inquérito médico, configurado pela anamnese, abole a “escuta” – escuta “seletiva”, não valorizando a priori nenhum dos elementos do discurso do sujeito, estando o cuidador submetido aos pré-conceitos para ouvir.
O que está em jogo é a passagem de um discurso a outro, do discurso do mestre para o discurso do Terapeuta, passagem da posição dogmática para a posição compreensiva. Passagem, enfim, da postura do sujeito que sabe, próprio do médico (domínio do Mestre) a do suposto saber, lugar do Terapeuta.
Tomemos aqui o exemplo da histeria. A histeria, com seus sintomas denominados pelo discurso médico de migratórios, ludibria o saber médico, colocando-o num impasse. E do médico, a histérica só ouvirá como resposta: “Você não tem nada!”.
Mas, curiosamente, entre os médicos, comenta-se que ela tem alguma coisa, sim, ela sofre de “piti”... O que para nós, só faz evidenciar a desqualificação que é promovida pelo diagnóstico de “piti", diagnóstico impossível de ser revelado sem desencadear no outro seu intuito mais secreto, a agressão moral. Diagnóstico que tem como função a de desqualificar o sujeito, desqualificando-o enquanto doente.
A histérica é acusada de simular os sintomas, termos que remete diretamente ao contexto teatral e seu jogo. O papel que deveria representar na cena médica, este papel ela não o desempenha bem. E recusando-se a coadjuvar no papel que lhe apresentam, será, então, seu drama que não será ouvido.
Esta recusa está na dependência de os sintomas da histérica não remeterem ao discurso médico, mas ao próprio sujeito.
Na antiguidade, eram as histéricas tidas como bruxas, feiticeiras, possuídas, por isso sujeitas a fogueiras dos inquisidores.
No presente diz-se: “com esta paciente só matando”, pois tanto num registro, quanto no outro, o que se incinera, se esfuma, se matam é o desejo do sujeito – a sua subjetividade.
Através das diversas etapas pela quais se efetua o “ato médico”, ou seja, as etapas do diagnóstico, do prognóstico, e da terapêutica, o que se configura é um discurso totalitário que exclui a diferença, único modo pelo qual a subjetividade poderia se manifestar.
Por intermédio da utilização de um vocabulário ao qual o doente não tem acesso, o discurso médico opera reduzindo o sentido dos diferentes ditos do sujeito, àquilo que é passível de ser inscrito no discurso médico.
A pluralidade de sentido, característica da língua, é abolida para dar lugar à univocidade de sentido, ideal do código. Desse modo, o discurso médico apropria-se do discurso do sujeito, transformando os significantes de sua fala em signos, em sinais médicos.
Importa relembrar aqui a definição que Lacan dá do signo, como sendo aquilo que representa alguma coisa para alguém (que saiba lê-lo), diferentemente do significante que representa um sujeito para outro significante.
Operação de que se vale o discurso médico e pela qual diversos significantes, tais como um abafamento no peito, uma falta de ar, uma angustia por dentro, uma sensação de sufoco etc., serão todos reduzidos, univocamente, ao sinal clínico da dispneia. E isto para que possam ser inscritos no discurso médico. Do mesmo modo, um peso na cabeça, uma ardência na testa, um latejamento na mente, um pensamento que não para de martilhar, serão reduzidos ao sinal clínico da cefaleia.
A fala do sujeito é ouvida apenas para ser descartada imediatamente. Onde se depreende a função sentenciadora do discurso médico e seu posicionamento exatamente inverso ao discurso daquele que se predispõe cuidar.
O discurso médico, escamoteia o discurso do sujeito não restituindo-lhe o seu lugar, ou seja, constitui uma fala em que o sujeito da enunciação não se manifesta, em que a verdade anunciada por ele deve ser independente daquele que a enuncia.
Desta forma, para finalizar, é impossível conciliar psique e soma no campo do discurso médico. O que a antiga máxima parece, entre outras coisas, sugerir: menssana in corpore sano.