De minha parte, constato que nos dias de hoje temos medo de sonhar e até medo
de viver e, ao invés da experiência (que envolve
risos, dores e sustos) o tal dito homem contemporâneo consome o não vivido e a
TV vai entulhando tudo de imagem e soterrando o gesto criador.
Tudo se torna obsoleto com rapidez, numa velocidade
que nos impede o pensamento reflexivo e nos intensifica os medos de morrer, de
fracassar e de enlouquecer.
"Estamos desamparados" é uma sensação
geral que é levada a tal ponto que torna difícil e conflitante a prática
coletiva.
Vivemos a "cultura do desvínculo", como
sugere Eduardo Galeano. O outro é um competidor, um inimigo, um obstáculo a ser
vencido ou uma coisa a ser usada. Aprendemos o cinismo e o descompromisso ético
como estratégias defensivas. Lamentável projeto social de modernidade que
produz um sistema que não dá de comer nem de afetos. Além da miséria material,
essa miséria ética e psicológica que nos torna famintos de beleza, de liberdade
e também de afetos. O que observa-se é a radiografia de subjetividades
impotentes e onipotentes como representativas da dita contemporaneidade.
Nessa atmosfera temos o impotente a viver um
passado nostálgico e um presente adiado em nome do Grande Dia; noutro caso temos
o onipotente indiferente ao estatuto da pessoa que tem seu semelhante e vive o
presenteísmo do happening e do instantâneo.
Somos um país em que essa mistura nebulosa de
potência e fragilidade nos reforça uma esperança faminta, mas prudente, talvez,
até porque, temos sido obrigados a desenvolver maior suportabilidade ao
imponderável, à ruptura, à surpresa, à angústia, à necessidade imperiosa de
adiamento e eterna postergação.
Palmo a palmo, passo a passo, ombro a ombro, um
novo fazer social (que ainda não está pronto, mas existe enquanto
possibilidade) parece estar sendo inventado na substituição da era do HomoFABER
e do ideal técnico-científico. Um projeto social construído como uma obra de
arte e comprometido com a expansão da vida.
Portanto, além da razão, o "feeling",
Além da abstração, a empatia (experimentar de dentro). Além do macro-olho, o
cuidado com as pequenas coisas do cotidiano. Além da exclusão do Eu, o encontro
com o outro. Estamos vivendo o tempo de Dionísios (futuro e presente, razão e emoção,
luta e prazer), tempo de descentramento, da indeterminação, da repescagem dos
valores subtraídos pela dita modernidade.
Penso que mais do que nunca, é preciso sonhar e
como diz um grafite pintado na estátua de Lênin, em Berlim: "de outra vez
será melhor..." porque ainda há pessoas que acreditam que o homem não está
condenado a olhar para o seu próprio umbigo e ao gesto compulsivo com relação
ao dinheiro e ao poder.
Amém para todos nós.