“Tempo-Tempo-Tempo-Tempo
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos.”
(Caetano Veloso)
I - Uma breve introdução
Este trabalho tem sua origem em reflexões
sobre o que convencionalmente se designa “sala
ou setor de Terapia Ocupacional”; estaremos aqui
tentando avaliar este “Lugar-Espaço” enquanto
detentor de potencialidades que lhe assegurem
atributos terapêuticos.
Convém ressaltar que pouca importância
tem sido atribuída a este “Lugar-Espaço” no sentido
de reconhecê-lo enquanto “continente” que possa
favorecer e abrigar uma experiência, que, por assim
dizer, possa converter-se em “experiência retificadora”.
Pelo menos é isso que genericamente visualiza-
-se como objetivo, em se tratando de cuidados a
pacientes psicóticos.
Nas instituições, este “espaço-lugar”, via
de regra, não é posto e entendido como objeto de
primazia e prioridade. Constitui-se sempre numa
“Cavidade escura” – porque sombria, fria, contendo
pedaços e restos, objetos ali colocados de forma
mais ou menos aleatória, sem refletir-se sobre a importância
e função que podem assumir no processo
terapêutico ocupacional. Espaço anatomicamente
deficiente, aleijado, deformado, produzindo assim
um impacto em quem nele adentra. Torna-se então
objeto de recusa e afastamento, porque amedronta,
assusta, apavora.
É neste “espaço-lugar” abrigador que os
Terapeutas Ocupacionais buscam e insistem em
exercer seu ofício, cuja essência reside em favorecer
ao paciente um reinvestimento na realidade
externa, através do qual uma construção possa se
processar, via o fazer, o experimentar, o fabricar.
Esse “espaço-lugar” carece de uma materialidade
que o sustente, delimite, demarque, para assim
apresentar-se enquanto espaço significativo. Este
fazer implica, no entanto, vivências e revivências de
rituais, ou melhor, o contato com um espaço-tempo
que se distingue assim de outros sem significação,
porquanto vividos sem a delimitação, que o defina
como personalizado e organizado em função de sua
finalidade terapêutica.
II – Terapia Ocupacional – uma conceituação
a ser pensada
“Tempo-Tempo-Tempo-Tempo
vou te fazer um pedido.”
(Caetano Veloso)
A Terapia Ocupacional, ao longo de sua
trajetória, tem sido conceituada, portanto, das mais
variadas formas. Isto denota a pluralidade deste
campo.
Porém, parece-me oportuno pensar sobre
o que certa vez um paciente me disse sobre o que
significava para si a Terapia Ocupacional: “A Terapia às horas, e se apaixonar por aquilo que a gente
faz. Na Terapia Ocupacional fazemos coisas para
os outros verem e gostarem. As horas na Terapia
Ocupacional passam mais rápido”.
O que o paciente Antonio Roberto expressou
pode ser lido através de várias ópticas e vertentes.
Contudo, no seu depoimento, fica evidente a experiência subjetiva de representação do “fazer” inserido
na dimensão do espaço e do tempo, que por sua vez
definem um contexto a ser enfrentado. Neste confronto
o paciente arrisca-se a viver emoções através
das quais o indivíduo não se limita à contemplação
solitária de si, mas é também contemplado no que
diz, no que exerce e no que faz. Nesta dimensão,
o monólogo converte-se em diálogo, o singular
converte-se em plural, o um converte-se em uns,
o que apresenta fixo vai ganhando movimento, e o
que se era errante gradativamente vai tomando o
seu devido lugar.
A atividade inserida na ordem de espaço e
tempo define assim um contexto, que, regido por
normas previamente estabelecidas em consenso,
por aquele(s) que dela participa(m) passa a ocupar
um lugar qualitativamente distinto das mesmas
atividades quando realizadas no cotidiano.
A íntima ligação com noções de obrigação e
dever confere ao exercício da atividade em Terapia
Ocupacional um movimento, uma dinâmica, uma
regularidade, imprimindo-lhe assim “caráter ritual”,
estabelecendo portanto uma união ou mesmo uma
comunhão, ou pelo menos uma relação orgânica
entre paciente e terapeuta podendo o primeiro
confundir-se, ora com a pessoa do terapeuta ora
com o coletivo, que são dados no início como dissociados.
Fica assim evidente a contraposição de
“Espaço-Tempo-Atividade” que encerra “significações”
e “Espaço-Tempo-Atividade” desprovido de sentido,
identificado com a desordenação.
III – Cenário de Terapia Ocupacional no
que pode comportar
“Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Num outro nível de vínculo
Tempo-Tempo-Tempo-Tempo.”
(Caetano Veloso)
Quando se fala cenário, logo se imagina
o que o mesmo possa representar em termos de
comprimento, largura e altura, assegurando assim
um espaço que possa abrigar determinado instrumental,
possibilitando a ritualização da atividade
cênica.
Por outro lado, entendemos que qualquer
espaço, para tornar-se significativo ao homem, precisa
ser demarcado concreta ou imaginariamente,
e no qual uma ordem específica é vivenciada, que,
portanto, lhe concede significação. Uma ordem interna
estabelecida, em oposição ao espaço externo,
muitas vezes vivenciado de forma desordenada.
O cenário terapêutico ocupacional deve
desta maneira, ser um espaço evidentemente
dotado de dimensões estratégicas, contendo instrumentos
que deverão também ser tomados como
espaços em si mesmos: a mesa, as cadeiras, a tela,
o cavalete, os tubos de tintas, as prateleiras, etc.
são instrumentos-espaços e definem os aspectos
anatômicos e geográficos do cenário terapêutico
ocupacional. Anatômicos porque à semelhança de
um organismo, reúnem-se para a formação do todo;
geográficos, na medida em que estas partes delimitam
territórios dentro do continente maior e portanto
definindo uma forma particular de circulação dentro
deste “Espaço-Continente”.
A casa, o palco, o templo, o quarto, o campo
de futebol, etc. se configuram em espaços delimitados
aos quais o homem atribui significados.
No cenário terapêutico ocupacional, a mesa,
a tela, os tubos de tintas, o tabuleiro de jogos, a
folha de papel, o tear, o tecido, etc. adquirem significados,
já que através deles o paciente expressa
veemente sinceridade e despojamento, nos quais
suas fantasias e fantasmas ganham materialidade,
podendo assim ser enfrentados e dominados. Esses
instrumentos-espaços quando retirados da “Inércia”,
vêm por sua vez colocar em movimento quem ousa
tocá-los ou transformá-los, convertendo assim um
desejo, uma vontade, em objeto esteticamente
observável por si e por aqueles que comungam
daquele espaço.
A “Cena-Evento” ali representada de forma
ritual apresenta-se estruturada em relação ao espaço, cujo ponto central é “uma mesa com cadeiras”,
ponto por excelência gerador de movimentos centrípetos. O movimento ali deflagrado empresta ritmo à preexistente harmonia contida naquele espaço. Desta
forma, o cenário terapêutico ocupacional adquire
uma “fisionomia estético-sensorial”, convertendo-se
então em espaço de natureza provocativa no qual
fenômenos e fatos são vivenciados e portanto sujeitos
a um registro.
O som, a luz, as cores, as formas, o odor,
os sólidos, etc. traçam linhas reais ou imaginárias
que demarcam o campo de ação e interação possibilitando-se
assim, modulá-lo, aquecê-lo, ativá-lo,
possuí-lo.
Convém, assinalar o que nos diz Nise da Silveira
sobre a questão do espaço e sua relação com
a psicose: “O que causa o delírio e a alucinação é,
sobretudo, a aproximação excessiva do objeto. Eu
observava nas pinturas dos doentes que os objetos
estavam tão próximos, que quase se superpunham.”
É de se notar que a Terapia Ocupacional
cumpre uma função compensatória através de
“linguagens outras”, pelo fato de processar-se em
espaço significativo, num tempo mítico e repetindo
um modelo de criação.
Este cenário, possuindo propriedades que
lhe são inerentes, promove o conhecimento e reconhecimento
principalmente do que perceptivamente
era experienciado de forma caótica e indiferenciada,
cumprindo assim uma função ordenadora.
Observemos o que diz Freud: “A consciência
passa pela percepção.”
Estas propriedades conferem ao cenário terapêutico
ocupacional um valor simbólico, portanto
organizador e exploratório. Vejamos algumas delas:
1 – Conformidade
“De modo que meu espírito
Ganhe um brilho definido
E eu espalhe benefícios
Tempo-Tempo-Tempo-Tempo.”
(Caetano Veloso)
Propriedade através da qual as partes
passam a conceber e definir o todo, articulando-se
entre si. Nesta concepção uma certa organização
é visualizada permitindo assim uma fotografia do
todo e não das partes.
Este recinto, comumente quadrado, e os
instrumentos nele contidos devem, numa combina-
ção harmônica, imprimir uma forma cujo objetivo é
promover impressões relacionadas com estrutura,
ordem, lugar.
Diz-nos Micea Eliade: “O lugar nunca é escolhido
pelo homem, ele é simplesmente descoberto
por ele.”
Ao contrário de cenários destituídos de harmonia,
que provocam distanciamento, afastamento,
acentuam fragmentação, portanto não referendam,
não integram, não acolhem, cenários harmonicamente
constituídos convidam à ação e à interação,
ao convívio. Esta referência externa ordenadora,
vem contrapor-se à experiência interna de dissociação
e desmanchamento vivida pelo psicótico.
O quadrado é tido como um dos quatro
símbolos fundamentais, juntamente com o centro,
o círculo e a cruz. Sendo um plano ancorado em
quatro lados, simboliza a interrupção, a parada, a
retenção do instante, implicando também uma ideia
de solidificação e até mesmo de estabilização. Quero
lembrar que muitos espaços significativos, tais
como altares, templos, praças, casa, quarto, tendem
a uma forma quadrangular. Em termos simbólicos o
“quadrado” é algo que engloba, protege, sustenta.
Para Eliade “representa um lugar reservado aos processos
dinâmicos de transformação e renovação,
determinado pela necessidade, de inviolabilidade
do seu campo de ação”.
É neste lugar-espaço harmonicamente constituído,
concreto, real, que o paciente é arrastado
para o espaço do sonho, que o estimula e incita, e no
qual as coisas ora se fundem e ora se confundem.
É como se aqui tudo fosse possível.
Pintando, modelando, jogando, tecendo,
escrevendo, o paciente penetra nas suas projeções,
atravessando assim o espelho. Neste espaço a
ritualização do passado e a simulação do futuro
justapõem-se às novas percepções da pessoa. Ouvi
certa vez, e isto não é raro, de um paciente o seguinte comentário: “Luiz, jamais pensei em fazer
tal coisa. Achava que não dava pra isso. De
onde fui tirar essa ideia?”. O comentário era sobre
pintura e o conteúdo nela expresso. A experiência
parecendo-lhe então inédita, provocou-lhe um misto
de impacto, surpresa, medo e gratificação.
Este espaço que se revela à pessoa sob
uma ou outra forma, na verdade trata-se de um
espaço organizado, cosmicizado, quer dizer, provido
de um centro, servindo então de muralha e defesa
mágica contra desordens e confusões inerentes a
um espaço caótico, não propício à criatividade e o
sonho. Na verdade um espaço significativo, como
que “sagrado”, é sempre resultado da conversão de
espaço não significativo, dito, portanto “profano”. E
sua condição para assim tornar-se, decorre também,
dos cerimoniais ali celebrados e das emoções
então suscitadas por este conjunto. Recentemente
vejo um paciente que é ator e pianista, porém muito
grave. Sua família queixa-se de ele não tocar
piano há muito tempo e de que quando o faz é de
forma muito rápida. Constatamos que o seu piano
encontrava-se no quarto que a sua mãe dorme,
separada do pai. Lugar entulhado de objetos, de
difícil circulação e clima sombrio. Por sua vez em
tempos atrás o paciente solicitou de sua família
que preparassem um quarto abandonado, localizado
nos fundos da casa, para que pudesse assim
ali ficar, tocar e fazer suas coisas, no que não foi
atendido.
A partir deste fragmento biográfico, entre
tantas coisas, podemos inferir o quanto o paciente
se debate na busca de encontrar um espaço que
lhe pareça significativo, determinador e onde possa
exercer-se.
2 - A mesa como ponto central e
determinante de um ritual
“Que sejas ainda mais vivo
No seu do seu estribilho
Tempo-Tempo-Tempo-Tempo
Ouve bem o que te digo.”
(Caetano Veloso)
O homem está sempre perseguindo o desejo
de achar a si mesmo e sem esforço, ou seja, superar
de maneira natural a condição humana, a condição
anterior à queda. Essa dimensão do humano vem definir o que o paciente possa vir a conquistar com
a vivência de um processo terapêutico. É como que,
simbolicamente, a pessoa estivesse num labirinto
de cujo centro se encontra perdido. Um processo
terapêutico que pretenda ser bem-sucedido reside
no fato de levar a pessoa a procurar e achar o centro.
Em Terapia Ocupacional, ainda no que se
refere às propriedades espaciais do seu cenário, a
“mesa”, enquanto objeto concreto e simbólico, vem
ocupar um destaque e essencialidade, na medida
em que vem conferir uma significação ao cenário
terapêutico. É portanto, um espaço inserido em
outro espaço, que, por sua localização geográfica
ou imaginária, determina o “centro” do espaço
maior, promovendo uma ligação com a periferia,
relacionando-se portanto este cenário com espaços
ritualísticos: assim, a mesa na Terapia Ocupacional
configura um “ponto” em torno do qual se estrutura
um ritual. Ritual que tem como característica bá-
sica a reunião em torno deste ponto, gerador de
movimentos centrípetos e centrífugos em relação
a si próprio, ou seja, movimentos de aproximação
e afastamento. É de se notar que os pacientes
sentem-se atraídos por este ponto, aglutinando-se
em torno dele e numa atitude de reconhecimento
e recitação, inicialmente conversam ou mesmo
silenciam, como que esperando que algo seja
anunciado. A exemplo de certos rituais, esta anunciação
introdutória tem relação com a pessoa do
Terapeuta Ocupacional, que traz, que introduz uma
atividade num gesto de proposição e decretação
de um “ritual expressivo e renovador”. A mesa,
portanto, encarna-se como “espaço criativo”, lugar
onde a “criação” pode ter início, já que este lugar
vem também significar um “lugar de ruptura” com
um tempo e espaço vivenciado sem significação.
O acesso a este lugar equivale a uma iniciação, já
que à existência sem significação que o antecedia
sucede uma nova existência, real, durável, eficaz,
porque significativa.
O itinerário que conduz a este “centro” está
permeado de obstáculos e que tão bem se encontram
desenhados nas circunvoluções, muitas vezes
complicadas e confusas, que o paciente exerce para
nele ancorar-se. Podendo, a exemplo do “labirinto”,
adentrá-lo e dele regressar, tendo o “centro” deste
como “marco e guia”.
Deste “centro”, fonte de energia e vida,
emanam processos criativos, instauradores de uma nova realidade, símbolo de integração regenerativa.
É como se este “centro”, este “microcosmo”, pudesse
ser identificado como “centro do mundo”, e que
remete, portanto, à coletividade.
Concretamente, a mesa se dispõe também
ao apoio e sustentação à ação expressivo-criativa,
e na qual a “mão” e “seus comandos” têm papel
decisivo, para início e conclusão da manifestação
criativa.
Determinando o princípio, foco de intensidade
dinâmica, a mesa converte-se em ponto concentrador
de energia, lugar privilegiado ao encontro
e coesão das diferenças, de onde brotam as possibilidades
de projetos e acordos. Não é raro diante
de uma dificuldade ou desacordo as pessoas nele
envolvidas mutuamente se convocarem a “sentar à
mesa”. Lugar promovedor “do olho a olho”, “do cara
a cara”, é porém foco de onde parte o movimento
da unidade rumo à multiplicidade, do interior para
o exterior, do não manifesto para a manifestação.
Em Terapia Ocupacional, este objeto cumpre esta
função convocatória que sua disponibilidade e força
inspiram. É um objeto que está ali disponível.
Poderíamos seguir discorrendo sobre as
evocações que a mesa pode suscitar: de refeição,
comunhão, banquete, liturgia, rituais por excelência
fomentadores de união e vida para os indivíduos
e a sociedade. Sendo estes rituais também rituais
reparadores, instauram entre os indivíduos e nos
indivíduos novas formas, relação e produção. Em
Terapia Ocupacional observo e detecto isto, no meu
cotidiano cuidando de pacientes psicóticos.
Milton Nascimento
e Chico Buarque em “Cio da Terra” dizem:
“Debulhar o trigo
Recolher cada bago de trigo
Forjar do trigo o milagre do pão
E se fartar de pão
Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, propícia estação
E fecundar o chão. ”
E agora Willian Blake: “Aquilo que agora se
prova foi antes apenas imaginado.”
Comumente observo pacientes espontaneamente se aglutinarem em torno da mesa com intuito
de única e exclusivamente compartilhar de uma
conversa, uma discussão, uma recitação, deixando
ali impressas algumas de suas marcas: as mesas
de Terapia Ocupacional estão sempre povoadas
de desenhos, rabiscos, nomes, grafites como se
fossem códigos secretos à espera de codificação
e leitura, denotando assim a existência também de
uma trama enigmática, resultado da experiência
de “estar juntos”. Estes códigos entendidos como
fala, como palavra, como discurso, ou seja, como
comunicação, a mesa presta-se também a este fim,
convertendo-se em suporte a todas estas falas.
Se ela por um lado converte-se em espaço
aglutinador, por outro lado converte-se em espaço
de demarcação e separação. O lugar da direita, o
da esquerda, o do lado de lá, o do lado de cá etc.;
imprimem uma noção de especialidade por certo
harmonizadora e rítmica.
3 – Terapia Ocupacional -
A dimensão do tempo
“Pretendo descobrir no último momento
O tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo o sentimento
E brota no corpo outra vez.”
(Cristovão Bastos/Chico Buarque de Holanda)
A dimensão “tempo” encerra também significação
em razão de como é vivida. Na Terapia
Ocupacional esta dimensão está imposta e implícita
conferindo-lhe importância e significação. Se um
espaço significativo se configura como ruptura com
um espaço que não encerra significação, aquilo que
no seu interior se realiza, se celebra, marca também
uma ruptura com a duração temporal, já que não é o
tempo corriqueiro que agora representa, mas trata-
-se de um tempo, cuja vivência está marcada pela
realização de eventos que encerram significação:
tempo no qual o paciente se reverte, recupera-se
e se reconcilia com outras experiências temporais,
quer das dimensões passada ou futura.
O tempo entre um encontro e outro, obedecendo
assim a uma periodicidade, bem como a
sua duração, caracterizado por algo que se inicia
e completa-se, vem simbolizar também o tempo
expressivo-renovador, através do qual o paciente se recria e se regenera. É o tempo
criando-o novamente. A abertura dessa “janela
do tempo” provoca aberturas de novas e fecundas
janelas de ligação temporal. A exemplo disto, poderíamos
refletir sobre a solicitação de alta que os
pacientes nos fazem. Geralmente nos dizem coisa
desta ordem: “Quando terei alta, pra poder voltar a
estudar? Acho que estou ficando bom. Já consigo
ir sozinho ao cinema. Antigamente pra mim o dia
não tinha fim. Tinha até medo de dormir.”
Esta experiência cíclica relacionada ao tempo
vem inserir o paciente numa dimensão mítica, na
qual compartilha de um momento criativo de uma
realidade.
Através de sua canção, Ivan Lins nos situa:
“No novo tempo
Apesar dos castigos
Estamos atentos
Estamos mais vivos
Pra nos socorrer
No novo tempo
Apesar dos perigos
Da força mais bruta
Estamos na luta
Pra sobreviver.”
Inferimos daí que o tempo vivido de forma
processual e significativa em Terapia Ocupacional
vem servir como garantia para o reingresso do paciente
em experiências temporais não significativas
e assustadoras, podendo com elas estabelecer
algum grau de vínculo e intimidade. Para pacientes
psicóticos, um tempo que lhe foge à regra é sempre
objeto de medo e pânico, portanto recusa. Podemos
citar como exemplo todos aqueles tempos que
estão fora ou à parte dos seus rituais psicóticos:
um tempo vivido na rua, no ônibus, na praia, etc.
Normalmente essas experiências temporais que se
tornam objeto de evitação têm uma relação com a
vivência de rituais que são celebrados na dimensão
do coletivo.
Lembramos que qualquer processo evolutivo
pressupõe movimento, dinâmica, confronto através
do tempo. Certa vez ouvi de um paciente o seguinte:
“A Terapia Ocupacional é uma ‘pilastra’ na
minha vida. Pilastra que me faz crescer. A vida é
uma passagem de tempo até a morte.”
De outro: “A Terapia Ocupacional é uma forma
de passar o tempo, pensando na vida. A pessoa
não pode estar ocupada com coisas bobas.”
Conclusão
Vemos com isso, que este confronto que se
efetua na ordem do espaço e do tempo obriga o
paciente a elaborar uma narrativa, uma recitação
sobre si mesmo. Recitação sobre um “Eu” presente,
referente, que tende a se contrapor a um “Eu”
anterior, a um “Eu” de antes. É pois um “Eu” que
narra o “Eu” que “foi e que está sendo”.
Neste campo de jogo e de lances o Terapeuta
Ocupacional é também um narrador, ampliando
o âmbito de participação daqueles que do jogo
participam e entendendo em grande medida, o “raio
de ação ritual”.
A tríade: Paciente-Terapeuta-Atividade, parece
assim representar em contexto simbólico e ordenador,
um estado de transição criativa, um estado
de movimento para a maturação e a integração.
A imagem do trio, triádica, do três, alude a
movimento, ritmo, mutação através da tensão, do
conflito, inerente ao confronto dialético da tese e
da antítese, desdobrando-se na síntese. Que em
Terapia ocupacional encontra-se marcada na “forma”
e na “produção” resultante de um processo.
Poderíamos seguir refletindo sobre os acontecimentos,
fatos, papéis, eventos que o campo e o
solo terapêutico ocupacional produz.