quarta-feira, 16 de maio de 2018

CENÁRIO TERAPÊUTICO OCUPACIONAL: alteridade em espaço e tempo

“Tempo-Tempo-Tempo-Tempo
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos.” 
                   (Caetano Veloso) 


I - Uma breve introdução
Este trabalho tem sua origem em reflexões sobre o que convencionalmente se designa “sala ou setor de Terapia Ocupacional”; estaremos aqui tentando avaliar este “Lugar-Espaço” enquanto detentor de potencialidades que lhe assegurem atributos terapêuticos.
Convém ressaltar que pouca importância tem sido atribuída a este “Lugar-Espaço” no sentido de reconhecê-lo enquanto “continente” que possa favorecer e abrigar uma experiência, que, por assim dizer, possa converter-se em “experiência retificadora”. Pelo menos é isso que genericamente visualiza- -se como objetivo, em se tratando de cuidados a pacientes psicóticos.
Nas instituições, este “espaço-lugar”, via de regra, não é posto e entendido como objeto de primazia e prioridade. Constitui-se sempre numa “Cavidade escura” – porque sombria, fria, contendo pedaços e restos, objetos ali colocados de forma mais ou menos aleatória, sem refletir-se sobre a importância e função que podem assumir no processo terapêutico ocupacional. Espaço anatomicamente deficiente, aleijado, deformado, produzindo assim um impacto em quem nele adentra. Torna-se então objeto de recusa e afastamento, porque amedronta, assusta, apavora.
É neste “espaço-lugar” abrigador que os Terapeutas Ocupacionais buscam e insistem em exercer seu ofício, cuja essência reside em favorecer ao paciente um reinvestimento na realidade externa, através do qual uma construção possa se processar, via o fazer, o experimentar, o fabricar. Esse “espaço-lugar” carece de uma materialidade que o sustente, delimite, demarque, para assim apresentar-se enquanto espaço significativo. Este fazer implica, no entanto, vivências e revivências de rituais, ou melhor, o contato com um espaço-tempo que se distingue assim de outros sem significação, porquanto vividos sem a delimitação, que o defina como personalizado e organizado em função de sua finalidade terapêutica.

II – Terapia Ocupacional – uma conceituação a ser pensada
“Tempo-Tempo-Tempo-Tempo
 vou te fazer um pedido.” 
                          (Caetano Veloso) 

A Terapia Ocupacional, ao longo de sua trajetória, tem sido conceituada, portanto, das mais variadas formas. Isto denota a pluralidade deste campo. Porém, parece-me oportuno pensar sobre o que certa vez um paciente me disse sobre o que significava para si a Terapia Ocupacional: “A Terapia às horas, e se apaixonar por aquilo que a gente faz. Na Terapia Ocupacional fazemos coisas para os outros verem e gostarem. As horas na Terapia Ocupacional passam mais rápido”.
O que o paciente Antonio Roberto expressou pode ser lido através de várias ópticas e vertentes. Contudo, no seu depoimento, fica evidente a experiência subjetiva de representação do “fazer” inserido na dimensão do espaço e do tempo, que por sua vez definem um contexto a ser enfrentado. Neste confronto o paciente arrisca-se a viver emoções através das quais o indivíduo não se limita à contemplação solitária de si, mas é também contemplado no que diz, no que exerce e no que faz. Nesta dimensão, o monólogo converte-se em diálogo, o singular converte-se em plural, o um converte-se em uns, o que apresenta fixo vai ganhando movimento, e o que se era errante gradativamente vai tomando o seu devido lugar. 
A atividade inserida na ordem de espaço e tempo define assim um contexto, que, regido por normas previamente estabelecidas em consenso, por aquele(s) que dela participa(m) passa a ocupar um lugar qualitativamente distinto das mesmas atividades quando realizadas no cotidiano.
A íntima ligação com noções de obrigação e dever confere ao exercício da atividade em Terapia Ocupacional um movimento, uma dinâmica, uma regularidade, imprimindo-lhe assim “caráter ritual”, estabelecendo portanto uma união ou mesmo uma comunhão, ou pelo menos uma relação orgânica entre paciente e terapeuta podendo o primeiro confundir-se, ora com a pessoa do terapeuta ora com o coletivo, que são dados no início como dissociados. 
Fica assim evidente a contraposição de “Espaço-Tempo-Atividade” que encerra “significações” e “Espaço-Tempo-Atividade” desprovido de sentido, identificado com a desordenação.

III – Cenário de Terapia Ocupacional no que pode comportar 
“Ainda assim acredito 
Ser possível reunirmo-nos 
Num outro nível de vínculo 
Tempo-Tempo-Tempo-Tempo.” 
                        (Caetano Veloso)

Quando se fala cenário, logo se imagina o que o mesmo possa representar em termos de comprimento, largura e altura, assegurando assim um espaço que possa abrigar determinado instrumental, possibilitando a ritualização da atividade cênica. 
Por outro lado, entendemos que qualquer espaço, para tornar-se significativo ao homem, precisa ser demarcado concreta ou imaginariamente, e no qual uma ordem específica é vivenciada, que, portanto, lhe concede significação. Uma ordem interna estabelecida, em oposição ao espaço externo, muitas vezes vivenciado de forma desordenada. 
O cenário terapêutico ocupacional deve desta maneira, ser um espaço evidentemente dotado de dimensões estratégicas, contendo instrumentos que deverão também ser tomados como espaços em si mesmos: a mesa, as cadeiras, a tela, o cavalete, os tubos de tintas, as prateleiras, etc. são instrumentos-espaços e definem os aspectos anatômicos e geográficos do cenário terapêutico ocupacional. Anatômicos porque à semelhança de um organismo, reúnem-se para a formação do todo; geográficos, na medida em que estas partes delimitam territórios dentro do continente maior e portanto definindo uma forma particular de circulação dentro deste “Espaço-Continente”.
A casa, o palco, o templo, o quarto, o campo de futebol, etc. se configuram em espaços delimitados aos quais o homem atribui significados. 
No cenário terapêutico ocupacional, a mesa, a tela, os tubos de tintas, o tabuleiro de jogos, a folha de papel, o tear, o tecido, etc. adquirem significados, já que através deles o paciente expressa veemente sinceridade e despojamento, nos quais suas fantasias e fantasmas ganham materialidade, podendo assim ser enfrentados e dominados. Esses instrumentos-espaços quando retirados da “Inércia”, vêm por sua vez colocar em movimento quem ousa tocá-los ou transformá-los, convertendo assim um desejo, uma vontade, em objeto esteticamente observável por si e por aqueles que comungam daquele espaço. 
A “Cena-Evento” ali representada de forma ritual apresenta-se estruturada em relação ao espaço, cujo ponto central é “uma mesa com cadeiras”, ponto por excelência gerador de movimentos centrípetos. O movimento ali deflagrado empresta ritmo à preexistente harmonia contida naquele espaço. Desta forma, o cenário terapêutico ocupacional adquire uma “fisionomia estético-sensorial”, convertendo-se então em espaço de natureza provocativa no qual fenômenos e fatos são vivenciados e portanto sujeitos a um registro. 
O som, a luz, as cores, as formas, o odor, os sólidos, etc. traçam linhas reais ou imaginárias que demarcam o campo de ação e interação possibilitando-se assim, modulá-lo, aquecê-lo, ativá-lo, possuí-lo. 
Convém, assinalar o que nos diz Nise da Silveira sobre a questão do espaço e sua relação com a psicose: “O que causa o delírio e a alucinação é, sobretudo, a aproximação excessiva do objeto. Eu observava nas pinturas dos doentes que os objetos estavam tão próximos, que quase se superpunham.” 
É de se notar que a Terapia Ocupacional cumpre uma função compensatória através de “linguagens outras”, pelo fato de processar-se em espaço significativo, num tempo mítico e repetindo um modelo de criação. 
Este cenário, possuindo propriedades que lhe são inerentes, promove o conhecimento e reconhecimento principalmente do que perceptivamente era experienciado de forma caótica e indiferenciada, cumprindo assim uma função ordenadora.
Observemos o que diz Freud: “A consciência passa pela percepção.” 
Estas propriedades conferem ao cenário terapêutico ocupacional um valor simbólico, portanto organizador e exploratório. Vejamos algumas delas: 

1 – Conformidade 
“De modo que meu espírito 
Ganhe um brilho definido
E eu espalhe benefícios 
Tempo-Tempo-Tempo-Tempo.”
                       (Caetano Veloso) 

Propriedade através da qual as partes passam a conceber e definir o todo, articulando-se entre si. Nesta concepção uma certa organização é visualizada permitindo assim uma fotografia do todo e não das partes.
Este recinto, comumente quadrado, e os instrumentos nele contidos devem, numa combina- ção harmônica, imprimir uma forma cujo objetivo é promover impressões relacionadas com estrutura, ordem, lugar. 
Diz-nos Micea Eliade: “O lugar nunca é escolhido pelo homem, ele é simplesmente descoberto por ele.” 
Ao contrário de cenários destituídos de harmonia, que provocam distanciamento, afastamento, acentuam fragmentação, portanto não referendam, não integram, não acolhem, cenários harmonicamente constituídos convidam à ação e à interação, ao convívio. Esta referência externa ordenadora, vem contrapor-se à experiência interna de dissociação e desmanchamento vivida pelo psicótico. 
O quadrado é tido como um dos quatro símbolos fundamentais, juntamente com o centro, o círculo e a cruz. Sendo um plano ancorado em quatro lados, simboliza a interrupção, a parada, a retenção do instante, implicando também uma ideia de solidificação e até mesmo de estabilização. Quero lembrar que muitos espaços significativos, tais como altares, templos, praças, casa, quarto, tendem a uma forma quadrangular. Em termos simbólicos o “quadrado” é algo que engloba, protege, sustenta. Para Eliade “representa um lugar reservado aos processos dinâmicos de transformação e renovação, determinado pela necessidade, de inviolabilidade do seu campo de ação”.
É neste lugar-espaço harmonicamente constituído, concreto, real, que o paciente é arrastado para o espaço do sonho, que o estimula e incita, e no qual as coisas ora se fundem e ora se confundem. É como se aqui tudo fosse possível. 
Pintando, modelando, jogando, tecendo, escrevendo, o paciente penetra nas suas projeções, atravessando assim o espelho. Neste espaço a ritualização do passado e a simulação do futuro justapõem-se às novas percepções da pessoa. Ouvi certa vez, e isto não é raro, de um paciente o seguinte comentário: “Luiz, jamais pensei em fazer tal coisa. Achava que não dava pra isso. De onde fui tirar essa ideia?”. O comentário era sobre pintura e o conteúdo nela expresso. A experiência parecendo-lhe então inédita, provocou-lhe um misto de impacto, surpresa, medo e gratificação. 
Este espaço que se revela à pessoa sob uma ou outra forma, na verdade trata-se de um espaço organizado, cosmicizado, quer dizer, provido de um centro, servindo então de muralha e defesa mágica contra desordens e confusões inerentes a um espaço caótico, não propício à criatividade e o sonho. Na verdade um espaço significativo, como que “sagrado”, é sempre resultado da conversão de espaço não significativo, dito, portanto “profano”. E sua condição para assim tornar-se, decorre também, dos cerimoniais ali celebrados e das emoções então suscitadas por este conjunto. Recentemente vejo um paciente que é ator e pianista, porém muito grave. Sua família queixa-se de ele não tocar piano há muito tempo e de que quando o faz é de forma muito rápida. Constatamos que o seu piano encontrava-se no quarto que a sua mãe dorme, separada do pai. Lugar entulhado de objetos, de difícil circulação e clima sombrio. Por sua vez em tempos atrás o paciente solicitou de sua família que preparassem um quarto abandonado, localizado nos fundos da casa, para que pudesse assim ali ficar, tocar e fazer suas coisas, no que não foi atendido.
A partir deste fragmento biográfico, entre tantas coisas, podemos inferir o quanto o paciente se debate na busca de encontrar um espaço que lhe pareça significativo, determinador e onde possa exercer-se.

2 - A mesa como ponto central e determinante de um ritual
 “Que sejas ainda mais vivo 
No seu do seu estribilho 
Tempo-Tempo-Tempo-Tempo 
Ouve bem o que te digo.” 
                           (Caetano Veloso) 

O homem está sempre perseguindo o desejo de achar a si mesmo e sem esforço, ou seja, superar de maneira natural a condição humana, a condição anterior à queda. Essa dimensão do humano vem definir o que o paciente possa vir a conquistar com a vivência de um processo terapêutico. É como que, simbolicamente, a pessoa estivesse num labirinto de cujo centro se encontra perdido. Um processo terapêutico que pretenda ser bem-sucedido reside no fato de levar a pessoa a procurar e achar o centro. 
Em Terapia Ocupacional, ainda no que se refere às propriedades espaciais do seu cenário, a “mesa”, enquanto objeto concreto e simbólico, vem ocupar um destaque e essencialidade, na medida em que vem conferir uma significação ao cenário terapêutico. É portanto, um espaço inserido em outro espaço, que, por sua localização geográfica ou imaginária, determina o “centro” do espaço maior, promovendo uma ligação com a periferia, relacionando-se portanto este cenário com espaços ritualísticos: assim, a mesa na Terapia Ocupacional configura um “ponto” em torno do qual se estrutura um ritual. Ritual que tem como característica bá- sica a reunião em torno deste ponto, gerador de movimentos centrípetos e centrífugos em relação a si próprio, ou seja, movimentos de aproximação e afastamento. É de se notar que os pacientes sentem-se atraídos por este ponto, aglutinando-se em torno dele e numa atitude de reconhecimento e recitação, inicialmente conversam ou mesmo silenciam, como que esperando que algo seja anunciado. A exemplo de certos rituais, esta anunciação introdutória tem relação com a pessoa do Terapeuta Ocupacional, que traz, que introduz uma atividade num gesto de proposição e decretação de um “ritual expressivo e renovador”. A mesa, portanto, encarna-se como “espaço criativo”, lugar onde a “criação” pode ter início, já que este lugar vem também significar um “lugar de ruptura” com um tempo e espaço vivenciado sem significação. O acesso a este lugar equivale a uma iniciação, já que à existência sem significação que o antecedia sucede uma nova existência, real, durável, eficaz, porque significativa. 
O itinerário que conduz a este “centro” está permeado de obstáculos e que tão bem se encontram desenhados nas circunvoluções, muitas vezes complicadas e confusas, que o paciente exerce para nele ancorar-se. Podendo, a exemplo do “labirinto”, adentrá-lo e dele regressar, tendo o “centro” deste como “marco e guia”. 
Deste “centro”, fonte de energia e vida, emanam processos criativos, instauradores de uma nova realidade, símbolo de integração regenerativa. É como se este “centro”, este “microcosmo”, pudesse ser identificado como “centro do mundo”, e que remete, portanto, à coletividade.
Concretamente, a mesa se dispõe também ao apoio e sustentação à ação expressivo-criativa, e na qual a “mão” e “seus comandos” têm papel decisivo, para início e conclusão da manifestação criativa. 
Determinando o princípio, foco de intensidade dinâmica, a mesa converte-se em ponto concentrador de energia, lugar privilegiado ao encontro e coesão das diferenças, de onde brotam as possibilidades de projetos e acordos. Não é raro diante de uma dificuldade ou desacordo as pessoas nele envolvidas mutuamente se convocarem a “sentar à mesa”. Lugar promovedor “do olho a olho”, “do cara a cara”, é porém foco de onde parte o movimento da unidade rumo à multiplicidade, do interior para o exterior, do não manifesto para a manifestação. Em Terapia Ocupacional, este objeto cumpre esta função convocatória que sua disponibilidade e força inspiram. É um objeto que está ali disponível. 
Poderíamos seguir discorrendo sobre as evocações que a mesa pode suscitar: de refeição, comunhão, banquete, liturgia, rituais por excelência fomentadores de união e vida para os indivíduos e a sociedade. Sendo estes rituais também rituais reparadores, instauram entre os indivíduos e nos indivíduos novas formas, relação e produção. Em Terapia Ocupacional observo e detecto isto, no meu cotidiano cuidando de pacientes psicóticos. 
Milton Nascimento e Chico Buarque em “Cio da Terra” dizem: 
“Debulhar o trigo 
Recolher cada bago de trigo 
Forjar do trigo o milagre do pão 
E se fartar de pão 
Afagar a terra 
Conhecer os desejos da terra 
Cio da terra, propícia estação 
E fecundar o chão. ” 
E agora Willian Blake: “Aquilo que agora se prova foi antes apenas imaginado.” 
Comumente observo pacientes espontaneamente se aglutinarem em torno da mesa com intuito de única e exclusivamente compartilhar de uma conversa, uma discussão, uma recitação, deixando ali impressas algumas de suas marcas: as mesas de Terapia Ocupacional estão sempre povoadas de desenhos, rabiscos, nomes, grafites como se fossem códigos secretos à espera de codificação e leitura, denotando assim a existência também de uma trama enigmática, resultado da experiência de “estar juntos”. Estes códigos entendidos como fala, como palavra, como discurso, ou seja, como comunicação, a mesa presta-se também a este fim, convertendo-se em suporte a todas estas falas. 
Se ela por um lado converte-se em espaço aglutinador, por outro lado converte-se em espaço de demarcação e separação. O lugar da direita, o da esquerda, o do lado de lá, o do lado de cá etc.; imprimem uma noção de especialidade por certo harmonizadora e rítmica. 

3 – Terapia Ocupacional - A dimensão do tempo 
“Pretendo descobrir no último momento 
O tempo que refaz o que desfez 
Que recolhe todo o sentimento 
E brota no corpo outra vez.” 
                         (Cristovão Bastos/Chico Buarque de Holanda) 

A dimensão “tempo” encerra também significação em razão de como é vivida. Na Terapia Ocupacional esta dimensão está imposta e implícita conferindo-lhe importância e significação. Se um espaço significativo se configura como ruptura com um espaço que não encerra significação, aquilo que no seu interior se realiza, se celebra, marca também uma ruptura com a duração temporal, já que não é o tempo corriqueiro que agora representa, mas trata- -se de um tempo, cuja vivência está marcada pela realização de eventos que encerram significação: tempo no qual o paciente se reverte, recupera-se e se reconcilia com outras experiências temporais, quer das dimensões passada ou futura. 
O tempo entre um encontro e outro, obedecendo assim a uma periodicidade, bem como a sua duração, caracterizado por algo que se inicia e completa-se, vem simbolizar também o tempo expressivo-renovador, através do qual o paciente se recria e se regenera. É o tempo criando-o novamente. A abertura dessa “janela do tempo” provoca aberturas de novas e fecundas janelas de ligação temporal. A exemplo disto, poderíamos refletir sobre a solicitação de alta que os pacientes nos fazem. Geralmente nos dizem coisa desta ordem: “Quando terei alta, pra poder voltar a estudar? Acho que estou ficando bom. Já consigo ir sozinho ao cinema. Antigamente pra mim o dia não tinha fim. Tinha até medo de dormir.” 
Esta experiência cíclica relacionada ao tempo vem inserir o paciente numa dimensão mítica, na qual compartilha de um momento criativo de uma realidade. 
Através de sua canção, Ivan Lins nos situa:
“No novo tempo 
Apesar dos castigos 
Estamos atentos 
Estamos mais vivos 
Pra nos socorrer 
No novo tempo 
Apesar dos perigos 
Da força mais bruta 
Estamos na luta 
Pra sobreviver.” 
Inferimos daí que o tempo vivido de forma processual e significativa em Terapia Ocupacional vem servir como garantia para o reingresso do paciente em experiências temporais não significativas e assustadoras, podendo com elas estabelecer algum grau de vínculo e intimidade. Para pacientes psicóticos, um tempo que lhe foge à regra é sempre objeto de medo e pânico, portanto recusa. Podemos citar como exemplo todos aqueles tempos que estão fora ou à parte dos seus rituais psicóticos: um tempo vivido na rua, no ônibus, na praia, etc. Normalmente essas experiências temporais que se tornam objeto de evitação têm uma relação com a vivência de rituais que são celebrados na dimensão do coletivo. 
Lembramos que qualquer processo evolutivo pressupõe movimento, dinâmica, confronto através do tempo. Certa vez ouvi de um paciente o seguinte: “A Terapia Ocupacional é uma ‘pilastra’ na minha vida. Pilastra que me faz crescer. A vida é uma passagem de tempo até a morte.” 
De outro: “A Terapia Ocupacional é uma forma de passar o tempo, pensando na vida. A pessoa não pode estar ocupada com coisas bobas.” 

Conclusão 
Vemos com isso, que este confronto que se efetua na ordem do espaço e do tempo obriga o paciente a elaborar uma narrativa, uma recitação sobre si mesmo. Recitação sobre um “Eu” presente, referente, que tende a se contrapor a um “Eu” anterior, a um “Eu” de antes. É pois um “Eu” que narra o “Eu” que “foi e que está sendo”. 
Neste campo de jogo e de lances o Terapeuta Ocupacional é também um narrador, ampliando o âmbito de participação daqueles que do jogo participam e entendendo em grande medida, o “raio de ação ritual”. 
A tríade: Paciente-Terapeuta-Atividade, parece assim representar em contexto simbólico e ordenador, um estado de transição criativa, um estado de movimento para a maturação e a integração. 
A imagem do trio, triádica, do três, alude a movimento, ritmo, mutação através da tensão, do conflito, inerente ao confronto dialético da tese e da antítese, desdobrando-se na síntese. Que em Terapia ocupacional encontra-se marcada na “forma” e na “produção” resultante de um processo. Poderíamos seguir refletindo sobre os acontecimentos, fatos, papéis, eventos que o campo e o solo terapêutico ocupacional produz.

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