Aqui
o livro, ali a estante, o mobiliário no canto parado, os objetos em
sua aura, a viagem dos postais que doem ou fazem sorrir – o cenário
estático, o fixo.
A
fixidez conjurando o mutável, no entanto, fluindo noutras formas, no
encalço do sopro que anima. Sensações se desdobrando de núcleos
concentrados, os trocinhos carregados de significação, signos para
travessias insuspeitadas.
A
simbologia deslizante, o ver e o tocar que levariam a outros estados
de experimento, de provocação, voos a novos sortilégios, lavas e
brasas nos fusos da tecelã.
Do
que se pode cercar a caverna de tesouros que sussurram descobertas, o
sótão sombrio que traz a sua própria luz, a penumbra onde a chama
da vela abre cortinas, desvenda as noites brancas, com mulheres e
horizontes?
E
a vontade de amar não paralisa o trabalho.
Como
no minério da Itabira do poeta, o hábito de sofrer diverte para
propiciar a liberdade – é o que se espera daqui.
Deste
eco longínquo de camadas ancestrais, onde Sísifo não interrompe
seu labor, persiste crendo, a esperança em exercício de que há uma
construção. Nem que seja a do nosso rosto espelhado no regato, ou o
fígado cruento, dilacerado e renascido.
Contamos
com esta dezena de mães arcaicas, do sertão nordestino às margens
do Danúbio Azul. As mãos de um simbólico artesanato nos conduzem
ao espanto da origem: terra, útero, com ou sem criança, pequenina
ou já crucificada, nos braços da que alimenta, afaga e devora.
Contempla-se
a lâmpada, ou a vela dançarina, e friccionamos a seda da
imaginação, a ponta dos dedos do afeto. Os gênios escapam, na
invenção, à beira do abismo – o arquipélago emerge de um
inconsciente de vozes e oceanos, ansiando por sua expressão livre,
cheia de conteúdo e desejo, ninho e tela, interminável labirinto.
A
alegria das reinações se instala, em tubos de tintas, cores de
lápis, carvão e giz, cola, pincéis, recortes, massa e aquarelas
enlaçando o arco-íris e suas vertigens.
São
papéis pintados, na parede, enchendo gavetas e mapotecas, revelando
trilhas de coragem e alumbramento que esta nau propõe. Navegar e
viver são precisos, preciosos, indispensáveis.
Há
dor e aflição, na certa. O velho marinheiro Artaud que o diga,
náufrago sobrevivente, o druida iluminado que assombrou com a peste
o caráter do drama, em carne viva.
Há
indicações de histórias infindáveis, Eros e Psique gestando
monstros,, meio gente, meio bicho. Os livros ocultando fórmulas a
serem transmudadas no caldeirão.
Magia
de todos os tons. A busca da realidade que enriqueça, liberte e
confirme a condição alada e bípede da pessoa humana, barro
seguindo caminhos de nuvens – do seu ponto de refúgio e fuga,
ancoradouro e arremesso, dizendo adeus com as asas, em direção às
estrelas.
Á
sua verdade, na modelagem desta arte suprema que é a própria vida,
de cada um de nós.
A
paisagem irrepetida onde só o amor move o que juntamos, o que nos
compõe.
Pastor
e nauta, cada troço à vista nos repetirá: olha-me de novo, com
menos altivez, e mais atento.
Do
que vimos – e as fotos registram toda a expressividade e beleza dos
elementos na moldura das mutações – e comentamos, se esboça o
trabalho-arte deste misto de ferreiro, poeta, pássaro, decifrador e
alquimista, em seu laboratório de instigantes surpresas.
A
clínica do sutil, a terapia dos fios lançados até encarar o
Minotauro e acariciá-lo. O cenário delicadamente receptivo, a
sensibilidade de egos fragilizados aguçada por toda a galeria de
vivências à nossa volta.
Como
resultado, o processo de enriquecimento, dinâmica afirmação da
individualidade, Um novo jeito de ver, de ser; a realização de uma
vida melhor, mais plena, relacionada, a alma nunca pequena.
E
como vale a pena singrar por zodíacos e calendários: primavera
florida, mar de verão, nos acautelando dos ventos do outono, se
aconchegando para avivar os fogos resistentes, no inverno.
Os
carretéis do tempo, os grãos no moinho, a lã na roca, o tecido e o
pão de todos nós, alimento e abrigo nas mandalas e sonhos de
alegria.
Rubem
Rocha Filho
Ator,
Dramaturgo e Diretor Teatral