terça-feira, 31 de janeiro de 2012

As faces da angústia.

Conheço Débora Foinquinos de um tempo, portanto, sou admirador do seu percusso profissional delineado por disciplina, rigor e ética. Tive conhecimento através de amigos comuns que Débora havia feito uma palestra sobre Angústia em um dos eventos do universo psicanálitico do Recife. Me interessei em procurá-la para conhecer o texto de um tema que tenho muita afeição e curiosidade. Da mesma forma que na minha vida sou movido pela paixão, a angústia também torna-se para mim uma grande parceira. Se a parceria da angústia com a paixão por um lado produz desassossego, por um outro, produz uma poética e uma lírica que poucos conseguem vislumbrar.
Solicitei a Débora o texto, que calorosamente enviou-me, dando-me a liberdade e a autorização para que postássemos. Ela que já há algum tempo, cumpre uma função no seu ofício de psicanalista, num passado mais remoto, fez também um intinerário através da clínica da Terapia Ocupacional.
Na integra, a palestra de Débora Foinquinos.

O percurso geral da angústia na obra de Freud*
                             “Todo afeto ... é apenas uma reminiscência de um fato”[1]                  Sigmund Freud
Débora Foinquinos
 
 
Boa noite a todos. Antes de mais nada, meus agradecimentos pelo convite feito e aceito. Resisti e ponderei diante da grandiosidade da tarefa. De nada adiantou. Desde então, dezembro de 2010, instalou-se um desconforto de razoável magnitude. Sabia que não conseguiria cumprir com o prometido e, pior, com a expectativa dos colegas. O ambiente, sabia eu por freqüentar várias vezes, era acolhedor. Menos mal, estaria entre amigos, grandes amigos. Mas, falar sobre A Angústia...era demais. Sempre mantive um interesse pelo tema. Não imaginava ter de me aproximar tanto dele e constatar quão pouco sabia.  Peço desde já paciência e desculpa por um trabalho muito aquém do que gostaria de apresentar. Espero, pelo menos, suscitar momentos de boas interlocuções quer agora quer na apresentação do trabalho elaborado por Lia da Fonte (próximo).

A angústia pode e deve ser situada como ponto de constituição, convergência e reflexão do existir humano. Filósofos, psicólogos e mesmo o mais leigo dos homens é capaz de elaborar teorias sobre este tema. Freud preferiu deixar a filosofia para os filósofos (nem tanto) e iniciou suas pesquisas psicanalíticas a partir da angústia que supunha se manifestar nas histéricas. Ao que parece, já intuía a complexidade e, paradoxalmente, a simplicidade de sua escolha.  Complexidade porque não há como deixar de fazer relação entre a angústia e os demais assuntos por ele estudados (corpo, inconsciente, sexualidade, limites, prazer, desprazer, castração entre outros). A angústia acompanha a obra freudiana do início ao fim. Simplicidade porque, simples é o elemento formado de uma só substância. Somos constituídos pela angústia, tudo mais é derivativo dela.
Mas, antes de entrarmos propriamente nas trilhas da angústia em Freud, é necessário que nos detenhamos sobre o termo e suas várias utilizações. Não convém fazer uma transferência imediata do termo ansiedade por angústia ou medo por pavor. Este caminho gera conseqüências, equívocos indesejáveis e complicadores da leitura freudiana. Há trechos na obra de Freud em que fica difícil distinguir entre angústia, ansiedade, medo e pânico. Concordamos com Zeferino quando ele diz que “O mais importante, para Freud, não é fundamentar as distinções entre a angústia e o medo, nem entre a angústia e a ansiedade, mas distinguir na angústia, no medo ou na ansiedade, pouco importa, aquilo que desperta o ego para mobilizar suas defesas e controlar a situação de perigo; caso contrário, o ego será apanhado de improviso e submerso de tal modo pela onda da angústia, a ponto de ficar sem nenhuma chance de controle sobre a situação de perigo”. (2000, p.36).



[1] Frase proferida por Freud, segundo Ernest Jones perante a Sociedade Psicanalítica de Viena em 1909.

Nunca é demais remarcar que na raiz etimológica da palavra angústia, independentemente da língua de origem, seja na língua grega, latina, alemã, francesa, espanhola, portuguesa ou italiana, todas trazem a idéia de aperto, sufocamento, dor, opressão, temor, ansiedade, aflição, medo.

Este trabalho tem por propósito apresentar as trilhas da angústia na obra freudiana, muito sucintamente, bem como oferecer hipóteses para nossa reflexão, extraídas a partir da leitura dos principais textos freudianos sobre a angústia: a dor como antecedente e precipitante da angústia; a angústia é primeiramente sentida como alteração no funcionamento corpóreo infantil; é esta dor/excesso/desprazer que faz surgir a angústia e aciona o recalque, faz exigência de trabalho; a angústia mobiliza a reação de defesa do ego, defesa pela fuga, mesmo quando o perigo é interno, pelo acionamento dos diversos mecanismos de defesa, somados à inibição e à formação de sintomas; e ego como um grande administrador da economia pulsional. Vejamos se isto é compreensível e aceitável.

Feitos estes breves esclarecimentos, concordamos que podemos distinguir três momentos nas elaborações da angústia na obra freudiana, de 1892-1900, de 1900-1920 e de 1920-1938. A primeira teoria da angústia foi elaborada em duas fases de 1892-1900 e de 1900-1920. A segunda compreende o período de 1920 a 1938.



Primeira parte da teoria da angústia (1892-1900)

Havia uma nosografia que distinguia as neuroses atuais (neurastenia e neurose de angústia) das psiconeuroses. A neurastenia era decorrente do mal funcionamento sexual, incapaz de resolver de forma adequada a descarga de tensão sexual física. A neurose de angústia era produto da tensão sexual física que não havia sido psiquicamente ligada. A energia livre transformava-se em angústia. Neste período, a angústia era inscrita no corpo e no psiquismo, teve como base o modelo econômico e como etiologia a sexualidade. Inscrita no corpo quando dizia respeito às neuroses atuais, em especial, a neurose de angústia e inscrita no psiquismo sem, contudo, deixar de ser inscrita no corpo quando Freud considerou as psiconeuroses. De acordo com Zeferino “Desde o início, a angústia foi inscrita no corpo e no psiquismo. A ênfase dada ora à inscrição no corpo, ora ao registro do psiquismo, depende do contexto no qual a angústia é abordada”. (2000, p. 44). As neuroses atuais revelavam disfunções atuais da vida sexual e expressavam sintomas somáticos, as psiconeuroses de defesa (histeria, fobia e neurose obsessiva)[1] lidavam com lembranças, símbolos mnêmicos portadores de conflitos psíquicos referentes não à vida presente, mas ao passado, ocorridos mesmo na infância remota na qual a memória dos fatos se perdeu.

Poderíamos realçar, resumidamente, algumas das principais idéias de Freud neste período:

- a importância inquestionável da sexualidade na vida dos seres humanos desde a infância até a idade adulta[2];

- etiologia sexual presente em toda neurose;

- o papel da defesa na formação das neuroses - um esforço para diminuir a força da representação de modo que esta não demandasse exigência de trabalho;

- a participação e importância do corpo. É através do corpo que a angústia se manifesta;

- a noção de conflito presente nas psiconeuroses;

- acúmulo de excitação somática;

- a angústia era sempre decorrente da libido que fora desviada de seu emprego normal;

- déficit de libido psíquica.

Vale salientar que neste período a angústia ainda não era vista por Freud como constitutiva ou como um fenômeno primário, ela era resultante direta da transformação da excitação sexual que não pôde ser ab-reagida.



[1] Também incluídos nos seus estudos a melancolia, a paranóias e as psicoses alucinatórias. Ver artigo As neuropsicoses de defesa. Vol.III.
[2] Ver artigo A sexualidade na etiologia das neuroses de 1894.

Segunda parte da teoria da angústia (1900-1920)

Neste período, sem deixar de ser inscrita no corpo a angústia passa também a ser estudada no registro do psiquismo.  

Podemos supor que o interesse de Freud pela neurose de angústia diminui consideravelmente diante dos seus estudos metapsicológicos, em especial, a elaboração de sua primeira tópica do aparelho psíquico formado pelos sistemas Ics, Pcs e Cs, o narcisismo, a teoria das pulsões, o Inconsciente, o recalque.

Caberia ao aparelho psíquico, em seu pleno funcionamento, evitar o acúmulo excessivo de excitação, mantendo-a o mais baixo possível ou constante. Quando isto não acontecia, provocava o aumento de tensão e, consequentemente, surgia a angústia.

Para Zeferino “Neste novo contexto teórico-clínico, Freud ressalta, particularmente, o papel da Triebangst, ou seja, da angústia pulsional nos conflitos que estão na base das psiconeuroses de defesa, em geral, e, de modo particular, na histeria de angústia”. (2000, p.72).

Nas psiconeuroses de defesa (psicose, paranóia, neurose obsessiva, histeria e fobia – todas faziam uso de diferentes mecanismos de defesa com o intuito de manter a representação ideativa afastada da consciência). Aqui a causa geral era devida à incompatibilidade na vida psíquica de uma representação ideativa ou afetos aflitivos impossíveis de serem elaborados pelo ego. Entram em cena dois fatos importantes: a defesa e o conflito psíquico.

Sem nunca abandonar a importância da abordagem econômica, Freud, neste período, centra maior importância na dimensão tópico-dinâmica, atribuindo destaque aos destinos da representação e do afeto levando em consideração as noções sobre o recalque.

Aqui, as excitações muito fortes e não elaboradas evidenciavam o perigo pulsional interno, uma ameaça ao equilíbrio do funcionamento psíquico. Nestas circunstancias, não caberia a fuga ou o evitamento, caberia apenas a defesa através da utilização do recalque, da separação do representante ideativo do afeto. Mas, vale lembrar, um afeto pode ser produzido sem que haja uma representação ou idéia correspondente.



O afeto

Sabemos que, para Freud, a fonte da pulsão é o corpo. A pulsão, é território de fronteira por excelência, só pode ser inscrita no psiquismo através de um representante, “representante psíquico da pulsão”, que, por sua vez, pode ser distinguido em dois aspectos: ideativo ou representativo da pulsão – Vorstellung (representação) e Repräsentanz (representação) e Affektbetrag des repräsentanz (aspecto afetivo ou quota de afeto do representante psíquico da pulsão). 

O afeto desligado da idéia, por efeito do recalque, pode ser deslocado para outras representações ou permanecer isolado. Freud tinha especial atenção ao afeto no processo do recalque, dizia ele:

“... o destino da quantidade de afeto do representante [psíquico da pulsão] é muito mais importante do que o destino da representação e que ele decide sobre o juízo do processo do recalque. Se um recalque não consegue impedir o aparecimento dos sentimentos de desprazer ou de angústia, então podemos dizer que ele fracassou, mesmo que tenha alcançado seu objetivo, no que se refere à parte da representação” (1915, p.177).

Para Zeferino “É, sobretudo quando aborda o problema metapsicológico do representante afetivo da pulsão que Freud faz trabalhar o conceito de angústia”. (2000, p.75).

Ainda que primariamente[1], neste período, Freud começa a pensar na função defensiva da angústia. Isto porque o recalque entraria em cena diante de um perigo, perigo pulsional. A 25ª Conferência[2] gira em torno da distinção entre a Realangst (angústia diante de um perigo real externo conscientemente reconhecível) e Neurotische Angst (angústia neurótica, sem justificativa plausível).

Freud pensa na angústia-real em dois momentos: o de preparação e o de fuga da situação de perigo, ou seja, intimamente ligada à auto-conservação.

No que diz respeito à angústia neurótica, Freud dizia que ela se diferenciava da angústia-real por ser “angústia flutuante” ou um estado geral de ansiedade no qual o sujeito se angustia sem saber a causa. Este estado de angústia é acompanhado pela “expectativa ansiosa”, por uma certeza de que algo ruim está para acontecer mesmo sem saber o que, quando e como. Foi assim que Freud definiu o destino da angústia nas neuroses de angústia bem como nas fobias infantis. A libido ficava, antes de ser projetada, estagnada no ego gerando assim uma “expectativa ansiosa”. Esta situação podia acontecer devido à imaturidade do ego ou por causa de um modo de satisfação inadequado da libido.



[1] Freud retomará sobre a função defensiva da angústia em Inibição, sintoma e Angústia (1926). Mas, neste momento, Freud faz a seguinte referência na Conferência 25 de 1916 “...esta conferência constitui a abordagem mais completa sobre o tema (Angústia), na época em que foi proferida”.
[2] Grande parte dos autores considera a Conferência XXV, A Angústia, como texto de passagem, transição entre o que já fora dito por Freud e o que iria ser retomado por ele em Inibição, sintoma e angústia.   

Segunda teoria da angústia (1920-1938)

Freud refaz sua trajetória da teoria sobre A Angústia a partir da reformulação da teoria das pulsões realizada no artigo Além do princípio do prazer (1920), da introdução da pulsão de morte e da divisão estrutural do aparelho psíquico, no artigo O Ego e o Id (1923). O ego passa a ser o lugar da angústia, apenas ele seria capaz de produzi-la, senti-la e percebê-la. Repensa a natureza da angústia e reformula sua função. Prioriza o perigo externo pulsional dando lugar de destaque à angústia de castração. No texto Inibição, sintoma e angústia (1926), faz a oposição conceitual entre angústia sinal e angústia automática. Havia um novo entendimento da angústia à luz da segunda tópica. Redefiniu o lugar da angústia-real (Realangst) em relação à angústia pulsional (Triebangst).

A angústia muda de lugar e de estatuto. Deixa de ser o resultado de um movimento de defesa do ego e passa a ser um dispositivo que avisa ao ego que ele tem que se defender frente à ameaça de uma situação de perigo, perigo interno geralmente ligado à separação ou perda do objeto amado, o que (re)conduziria o sujeito à situação de desamparo. Como último recurso o ego utiliza-se da angústia como sinal para defender-se da ameaça da sobrecarga libidinal, colocando em marcha o processo do recalque. A isto Freud chama efeito de inoculação[1]. 

Em vez do recalque provocar angústia, dentro da nova postura freudiana, a angústia é que acionaria o recalque. A angústia lançaria mão do recalque para impedir que a sensação insuportável e por vezes, incontrolável do desprazer/sofrimento sucumbisse o ego à imobilidade. Agora, em vez do ego acionar o recalque diante da situação desagradável, a sensação desagradável alertaria o ego para que ele mobilizasse suas defesas.

Em Inibição, sintoma e angústia (1926) e em muitos artigos que o antecedem, Freud aborda experiência do nascimento como protótipo de todos os estados de angústia que surgirão no futuro ao longo da vida do sujeito. Esta idéia persiste mesmo nos últimos artigos quando Freud refere, “Parece que a ansiedade, na medida em que constitui um estado afetivo, é a reprodução de um evento antigo que representou uma ameaça de perigo[2]; a ansiedade serve como propósito de autopreservação e é sinal de um novo perigo; surge da libido que se tornou, de algum modo, não utilizável e também (grifos meus) surge durante o processo de repressão; é substituída pela formação de um sintoma, é, digamos assim, psiquicamente vinculada” (1932, p.107). Aqui, o recalque parece ainda provocar angústia (elaboração da primeira teoria), mas secundariamente, ou seja, o recalque não sendo garantidor de livrar o ego integralmente da angústia, continua produzindo-a ainda que, de outro modo. O recalque ajudaria assim na circunscrição da angústia para lhe dar uma “certa organização”, fruto do funcionamento do ego. Penso no seguinte percurso: desprazer – angústia – recalque – angústia residual – sintoma – angústia...

Podemos inferir que o corpo do recém-nascido recebe intensas descargas de sensações físicas (aceleração nos batimentos cardíacos, aumento na freqüência respiratória, invasão excessiva de luz, som etc) sem que haja, ainda, possibilidade de representações psíquicas. Quando por qualquer motivo, essa situação é reavivada, a angústia é “reproduzida como um estado afetivo em conformidade com a imagem mnêmica já existente” (vol. XX, 1926, 114).  Podendo o sujeito encontrar-se em estado de desamparo semelhante ao vivido anteriormente, ou seja, tão desamparado quanto o recém-nascido fora um dia.

As crianças descobrem pela própria experiência que a ausência do objeto/mãe traz sensação similar àquela vivida durante o nascimento e, inversamente, sua presença, afasta a lembrança traumática daquela situação de perigo e desamparo. Diante da ausência da mãe a criança dá sinais de desconforto antes mesmo que a temida situação se estabeleça e ela se veja em situação de desespero, novamente.

Na Conferência XXXII, Ansiedade e vida instintual, Freud retoma antigas questões sobre a angústia, como o nascimento e a referência ao momento traumático, vejamos “O que é essencial no nascimento, assim como em toda situação de perigo, é que ele imprime à experiência mental um estado de excitação marcadamente intensa, que é sentida como desprazer e que não é possível dominar descarregando-a. Um estado desse tipo, ante o qual os esforços do princípio do prazer malogram, chamemo-lo momento traumático”(1932, p. 118).

O ego nem sempre é capaz de dominar a libido, ele teme a estagnação da libido por ter a inscrição de traços mnêmicos desagradáveis ante uma situação sobre a qual não tem domínio, pode apenas acionar suas próprias defesas (recalque, inibições, formação de sintomas, sublimação) e minimizar os prejuízos/desconforto da obrigatoriedade da convivência com sua outra parte.



[1] “... o ego sujeita-se à ansiedade como uma espécie de inoculação, submetendo-se a um ligeiro ataque da doença a fim de escapar de toda a sua força”. (1926, p.187).
[2] Talvez pudéssemos ousar fazer um paralelo entre as palavras de Guimarães Rosa e Freud, se para Guimarães viver é perigoso, para Freud, nascer era perigoso. Nas palavras de Freud, “No ato do nascimento há um verdadeiro perigo para a vida” (1926, p.158).


Hipóteses a ser compartilhadas

A angústia é Senhora. A angústia é filha da dor, desde que o mundo é mundo é assim[1]. O corpo é, do nascimento até a morte, produtor e receptor das excitações. Quando intensas, as excitações são a princípio sentidas como alterações desagradáveis tanto pelo organismo como pelo incipiente psiquismo. A angústia seria então o resultado da interpretação da dor/desequilíbrio/desamparo, como exigência de trabalho que o organismo imprime ao psiquismo e o psiquismo chama para si a responsabilidade. Se, para Freud, O eu é um eu corporal, ele surgiria em decorrência das exigências pulsionais e se diferenciaria pela sua capacidade em administrar a economia pulsional.

O ego, por ser a parte organizada do id e manter contato com o mundo interno e externo, assume várias funções, entre elas, tem a missão de usar a defesa como forma de reação. Ante a situação de angústia, aciona suas próprias defesas, lança um sinal para si mesmo. Se onde há fumaça, há fogo então o ego lança a fumaça com o objetivo de minimizar os efeitos da angústia, ou seja, antecipa fragmentos da cena traumática para se preparar e não ser apanhado por uma invasão surpresa.

Outro recurso usado pelo ego como forma de defesa é a inibição e a formação de sintomas. Na inibição, ele se exime de suas funções, defende-se da angústia pela inatividade. No sintoma, busca alívio intermediário, quando tenta satisfazer as exigências pulsionais do id, há ainda a situação em que teme a perda de amor do superego[2].

Do húmus, Terra lhe deu o corpo, de Jupiter recebeu a alma[3], da Angústia recebeu a forma. Suas faces, múltiplas. Seu sentir, variado e inespecífico. Sua vida, eterna. A teremos enquanto vivermos. É infinita enquanto dura.

A angústia. Há Angústia. Ah! Angústia.


Referências Bibliográficas

FREUD S. Rascunho E: Como se origina a ansiedade. Obras Completas. Vol.I. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1980.

_________ As neuropsicoses de defesa.  Obras Completas. Vol.III. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1980.

_________ A repressão.

_________ Conferência XXV A Ansiedade. Obras Completas. Vol.XVI. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1980.

_________ Inibição, sintoma e angústia. Obras Completas. Vol.XX. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1980.

ROCHA Z. Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Escuta, 2000.

Artigos

CAMPOS, Érico Bruno Viana. A primeira concepção da teoria da angústia; uma revisão crítica. Ágora (Rio J.) vol.7 no.1  Rio de Janeiro July/Jan. 2004.

TELLES, Silva Rosana. As vicissitudes da teoria da angústia na obra freudiana. Revista Mal-estar e subjetividade/Fortaleza. V.III. n. 1.



* Trabalho apresentando no grupo de estudos da Intersecção Psicanalítica do Brasil dia 09.08.2011. Deborah Foinquinos.



[1] Caetano Veloso em sua obra Desde que o samba é samba,  já dizia que:
A tristeza é senhora...
Solidão apavora
Tudo demorando em ser  tão ruim
[2] É interessante ler sobre a diferença que Freud faz entre a dor e a perda. “A dor é assim a reação real à perda de objeto, enquanto a ansiedade é a reação ao perigo que essa perda acarreta e, por um deslocamento ulterior, uma reação ao perigo da perda do próprio objeto”.
[3] Ver em anexo a Fábula da Angústia ou também chamada de Fábula do Cuidado.


Anexo 1

Fábula da angústia

“A angústia ao atravessar um rio, viu uma massa de argila e, mergulhada nos seus pensamentos, apanhou-a e começou a modelar uma figura.

Quando deliberava sobre o que fizera, Júpiter apareceu. A angústia pediu que ele desse uma alma à figura que modelara, e, finalmente, conseguiu o que pediu.

Como Angústia quisesse dar seu próprio nome à figura que modelara, Júpiter proibiu e prescreveu que lhe fosse dado o seu. Enquanto Angústia e Júpiter discutiam, Terra apareceu e quis que fosse seu o nome daquela a quem fornecera o corpo.

Saturno foi escolhido como árbitro. E este, equitativamente, assim julgou a questão:

Tu, Júpiter, porque lhe deste a alma, tu a terás depois da morte. E tu, Terra, porque lhe deste o corpo, tu o receberás quando ela morrer. Todavia, porque foi Angústia quem primeiramente a modelou, que ela a tenha, enquanto viver”.



                                                                (Da Fábula 220 de Caius Julius Higinus)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O que se deve entender por "ato" e "vazio"?

   Aristóteles, na Metafísica, ao distinguir potência e ato, nos diz que o ato tanto pode ser tomado no sentido da atividade ela própria como no sentido do fim ou do acabamento da ação. No entando, é enquanto efeito ou acabamento da ação que adquire o seu sentido mais forte. Essa distinção pode ser de grande utilidade para o entendimento do que seja o ato terapeutico ocupacional. Ou seja, o ato não é propriamente a atividade, mas o efeito da atividade. "Fazer ato", nesse sentido, é se referir a um efeito, e não à ação propriamente dita.
   Penso eu que não há behavior humano mas sim ato humano. Isto porque o behavior é supostamente redutível a uma atividade motora, enquanto que o ato é indissociável da linguagem. Num sentido amplo, toda ação humana é da ordem do ato, já que é necessariamente atravessada pela linguagem.
   Mas todo ato é da ordem do acontecimento e, portanto, algo que, embora diga respeito às coisas, subsiste apenas pela linguagem. Assim, o ato terapeutico ocupacional, enquanto acontecimento, não pode ser pensado fora da linguagem, fora da estrutura do discurso. É portanto pela palavra que o ato terapeutico ocupacional se constitui, ele é a própria colocação em ato do sujeito. Sua função é a de possibilitar ao sujeito acessar a uma representação.

E o vazio?
O que pertence à coisa como tal? Um jarro é uma coisa. É um continente constituído pelo fundo e pela parede. O jarro é produzido pelo poteiro com uma matéria-prima que é o barro. Embora o jarro dependa de uma produção para ser um vaso, não é isto que faz do jarro um jarro. Uma vez produzido, o jarro mantém-se por si mesmo. O que faz do jarro um jarro, é sua qualidade de continente. Um jarro que não possa conter um líquido, por não ter fundo ou por não ter boca, não é um jarro. Mas quando enchemos um vaso com água, não são o fundo ou a parede que se enchem. Estes, apenas não deixam passar a água.
O que se enche de água é o que fica entre o fundo e a parede. O que é continente no jarro é o vazio.
É o vazio - aquilo que no jarro não é nada - que faz com que o jarro seja um jarro, isto é, um continente. Quando o poteiro fabrica o jarro, ele dá forma a um vazio. O que faz do jarro uma coisa não reside na matéria que o constitui, mas no vazio que contém. E como o vazio do jarro contém? Ele contém tomando e retendo o que ele recebe, sendo que a unidade do tomar e do reter, é regida pelo verter. O conter repousa sobre o verter.
"O que faz do jarro um jarro desdobra seu ser no verter daquilo que se oferece." Não é pois um vazio em si aquilo que no jarro reúne o conter e o verter, e o verter é aqui tão fundamental quanto o conter.